Exposição – Cosmo poéticas do fim do mundo
A Guerra do Contestado (1912-1916) é o registro histórico de uma rebelião de viés popular ocorrida no planalto catarinense no início do século XX. Com a denominação de Santa Irmandade, foram criadas as cidades santas nelas a organização de uma sociedade igualitária composta majoritariamente por homens e mulheres do campo. No interior dessas cidades regia uma regra de divisão comunitária de terras e bens que tinha como lema o dito popular: “quem tem mói, quem não tem, mói também, e assim todos ficam iguais”.
A força primordial desse movimento rebelde estava alicerçada na crença nos chamados monges João Maria e José Maria. Eles eram curandeiros, eremitas, benzedores e conselheiros populares. Durante a Guerra do Contestado eles já estavam mortos, mas seus conselhos, suas práticas de cura e seus ensinamentos foram reelaborados social e culturalmente e serviram de alicerce para a luta e a força dos que viviam nas cidades santas.
Sob a inspiração e a liderança popular desses homens santificados é que a construção do mundo igualitário foi firmada em oposição ao poderio dos coronéis locais, dos militares e do capital estrangeiro, em especial o representado pela empresa que construiu a estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, bem como a madeireira internacional por ela financiada.
Esse projeto foi violentamente interrompido em nome do progresso, da legalidade e da ordem. Para isso foi mobilizado grande número de homens, incluindo militares e jagunços, todos a pedido, dos governadores de Santa Catarina e do Paraná. A Repressão a rebeliões e insurgências populares, sabemos, não se restringem a episódios ocorridos no passado. E é essa denúncia que aparece como uma das mais potentes nos desenhos incluídos nessa exposição.
As expressões imaginárias presentes em cada traço, forma, cor ou texturas encontradas nos desenhos infanto-juvenis sobre a Guerra do Contestado fazem mais que denunciar a persistência da violência contra os homens e mulheres rebeldes. Elas buscam interromper as narrativas de louvor aos vencedores para nos contar a história dos marginalizados. Elas tentam interromper o fim do mundo de terror e violência que mata trabalhadores, destrói florestas, confiscam os sonhos e ameaçam o futuro.
As crianças e adolescentes de Lebon Régis, por meio dessa cosmopoética, que é ao mesmo tempo arte e política, convida-nos a pensar sobre a história que atravessa a vida, os tempos e os espaços das rebeliões populares rurais do Brasil.
A exposição Limiar: narrar o presente e lembrar do passado faz parte das atividades desenvolvidas pelo projeto Estação Contestado sob a coordenação do Prof. Rogério Rosa Rodrigues (UDESC). Dia 28 de maio de 2022 uma equipe composta por 40 estudantes do curso de história da UDESC foi recebida pela comunidade escolar de Rio das Antas, mais especificamente na EB Jacinta Nunes. Ofertamos duas oficinas para os estudantes de 9. Ano: uma de podcast e outra de introdução à fotografia. O trabalho foi feito em parceria com o projeto Rede Contestado de Educação: a transversalidade da ciência, tecnologia e inovações para o planeta [CNPq] coordenado pelo Prof. Eduardo do Nascimento [IFSC/Caçador].Enquanto os bolsistas ministravam as oficinas, os estudantes da disciplina de Imagem e Som da UDESC ouviam, fascinados, em sala contígua, as experiências do professor Arthur Peixer como docente da mesma escola, com destaque para as produções audiovisuais sobre a Guerra do Contestado que desenvolve regularmente junto aos estudantes. Essa exposição é resultado do encontro da universidade com a escola básica. Uma parceria tão rica, quanto estimulante. As fotos foram feitas nas imediações da escola. Como o equipamento fotográfico que levamos era escasso para número de 80 estudantes (60 do matutino, 20 do vespertino), as fotos foram capturadas coletivamente e optamos por não nomear a autoria de cada imagem. Trata-se de uma produção coletiva e colaborativa entre futuros/as professores/as de história e jovens aprendizes da educação básica com sonhos e expectativas sobre o futuro. A distribuição das salas do museu virtual obedeceu a uma organização interna debatida entre coordenador do projeto e bolsistas, assim como as legendas e descrições foram devidamente pensadas no âmbito coletivo quando do nosso retorno. Decidimos incluir nas paredes centrais a produção em podcast feita na escola. São áudios curtos (max. 5 min) que ajudam o visitante a conhecer a voz dos/as estudantes, bem como a forma como seus corpos são afetados pela história do Contestado.
Limiar: narrar o presente e lembrar do passado remete a ideia de que a cidade moderna convive com diversos vestígios do passado do Contestado, cabendo a quem transita identificar o que permaneceu, o que mudou, o que atravessa os tempos. A narrativa fotográfica, em especial, captou esse atravessamento temporal. Dos trilhos da estrada de ferro, passando pelo rio do Peixe até desaguarmos no cemitério, o que vemos são relíquias captadas pelo olhar sensível e cuidadoso de adolescentes. O olho mecânico fixou formas, cores, texturas e relevos. Com isso, ajudou a ver o que antes passava despercebido, tal como espelho d’ água refletindo a cidade, o trilho como serpente de aço, a escola com sua geometria.
Equipe Estação Contestado
Florianópolis, 29 de junho de 2022
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