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Jornal da Educação

Psicologia e Educação (Edição Junho/2019)

Dificuldades e transtornos de aprendizagem: a preguiça e o desrespeito como sintomas

Escrito por Gilmar de Oliveira

Cena 1: Aula de matemática, explicação a mil por hora e Juca dormindo em sala, nos braços de Morfeu. Sermão típico. Em muitas escolas, aluno expulso da sala (atitude inútil e arcaica). Apenas a culpabilização, sem saber a razão.

Cena 2: Aula de Língua Portuguesa, a professora explicando sobre análise sintática, a turminha rindo com as tiradas do Juca. Professora chama a atenção para que prestem a atenção. E é insultada. Juca chama palavrões, desdenha a professora, mesmo sendo expulso de sala, aos berros, debocha da professora. A professora se ofende (acha que é falta de educação familiar, mau-caratismo), sai brava.

Cena 3: Durante uma prova, Ana baixa a cabeça, nada escreve. Ao final da aula, entrega a prova sem respostas, com aquele ar de quem sequer se preocupa com a situação. A Professora quis dar uma força, mas Ana está firme e diz que não se importa com zero, com reprovação, não quer responder. Já reprovou dois anos, diz que vai para a escola para zoar, se encontrar com as amigas e ver o crush. (o que é CRUSH?)


Estas condutas desafiadoras, os atos hostis, o sono em sala ou falta de vontade, agressões verbais de alunos contra professores revelam, na ampla maioria dos casos, algum tipo de dificuldade ou de transtorno de aprendizagem. Mas são confundidos com maldade, falta de Educação e preguiça. Mas são sintomas. Uma aprendizagem baixa, falta de valor à escola, conteúdos sem sentido podem ser causas. Afinal, raros alunos que aprendem bem são indisciplinados. Somos programados para aprender. A preguiça é um sintoma, não uma causa. Isso precisa ficar claro. A oposição à aula é indicativo de dificuldade de aprender. Busque a causa!

É muito comum que, após afirmar que estas posturas debochadas indicam sofrimento, evidenciam sintomas de algum tipo de dificuldade ou transtorno de aprendizagem, os professores duvidem e até me desafiam. A Psicopedagogia e a Psicologia da Aprendizagem possuem ampla gama de pesquisas que consideram a desestrutura familiar, causa de muitos desafios e ofensas ao professor, como uma dificuldade de aprendizagem.

O aluno debochado, indisciplinado reage assim por alguma distorção da realidade, por razão de que seu desenvolvimento psíquico foi afetado por falta de diálogo, de boas referências dentro de seu lar. Acaba vendo como banais as brigas, atos de agressão, ironias, humilhação dentro de casa. Reproduzem na escola.

Os mais pobres, não enxergam a escola como fonte de melhorias na vida. A falta de limites e de aconselhamento cria o perfil para que os educadores sejam atacados, que a aprendizagem não seja valorizada. Na mente desses jovens, desafiar a escola é compensar frustrações, mostrar coragem. Este aluno não encontra atmosfera favorável para estudar, não tem parentes próximos como referência de sucesso gerado pela Educação formal. A escolarização simplesmente não lhe faz sentido, a casa não valoriza nem respeita a boa relação. O resultado se vê na sala de aula, na perda de interesse, na ofensa ao mestre.

Nas escolas particulares e nas escolas públicas de cidades menores, onde frequentam os filhos de famílias com maior poder aquisitivo, também há indisciplina e desinteresse pela escola por uma gama cada vez maior de alunos. Primeiro pela dificuldade dos pais em impor limites e ficarem envolvidos com os assuntos dos filhos, com a escolarização, com mais tempo presentes e atentos.

Segundo pela verdadeira santificação dos filhos, que tudo podem, tudo ganham, tudo querem. Não amam nem respeitam, nem desenvolvem empatia. E somente usufruem dos bens materiais advindos do esforço dos pais, como se fosse obrigação mimá-los para sempre. Escola para quê? O que recebem não é visto como fruto de boa escolarização ou esforço dos pais.

Sentem como obrigação dos pais servir às majestades. Nem pensam de onde vem o que recebem sem esforço. Entendem que esta vida boa será eterna, o que explica a razão do crescente o número de filhos sustentados por pais inseguros aos 25, 30, 40 anos ou mais.

Esta percepção distorcida da vida e da dinâmica familiar, associada à falta de diálogo e de limites, é uma doença social, é uma dificuldade de aprendizagem, também. Tal dificuldade é acentuada por um modelo de escola “conteudista”, que não consegue tempo para discutir e analisar os fenômenos sociais modernos.

Discutir a própria indisciplina e percebê-la como dificuldade de aprendizagem é a base para superar o problema. A alteração social e no caráter dos alunos é um transtorno de aprendizagem, que resulta na desvalorização da escola. Não adianta apenas punir alunos, culpar os pais ou a escola! Ou se muda a forma de ensino e o conteúdo, além de orientar estes pais e alunos, ou se perde mais uma geração.

Importante lembrar que os alunos com baixo nível de atenção, seja por transtornos neurológicos como o TDA-H (déficit de atenção com Hiperatividade) ou por fadiga cerebral, pelo excesso de uso de smartphones e outros vídeos, diminuição das horas de sono ou má nutrição também causam agitação, indisciplina, deboche e desafios aos professores.

Os desatentos e hiperativos apresentam dificuldades de lidar com impulsos, de refletir antes de falar ou mesmo desenvolvem alterações de conduta que os levam a cometerem transgressões. Mas são condutas vistas como maldades quando, de fato, a causa é orgânica, mas a escola ignora este fato.

Quando um aluno não aprende, quando tem problemas sociais ou emocionais, quando há problemas psíquicos como a depressão, a resposta em sala para seu baixo aprendizado pode ser o deboche, o mau desempenho. É preciso o diagnóstico, mais tratamento e menos medidas disciplinares coercitivas. Os países que partiram desse princípio, como Holanda, Noruega e Dinamarca hoje fecham cadeias. No Brasil, 75% dos presidiários possuem TDA-H e foram expulsos. Dificuldades de aprendizado confundidas com caráter ruim.

Cabe à escola não apenas punir os alunos ou resumir o fato à indisciplina; precisa ouvir, avaliar, testar o desempenho, encaminhar a profissionais, exigir avaliação, diagnóstico e acompanhamento de psicólogos e psicopedagogos mesmo que via serviço público, por intermédio dos Conselhos Tutelares, se for necessário; oferecer encaminhamento a CAPS, CRAIS, CAPS e demais centros de apoio. Palestras aos pais, apoio da imprensa e de profissionais ajudará a entender que podemos recuperar o aluno indisciplinado, que sofre e faz sofrer sem saber de sua condição e da verdadeira razão de sua conduta.

 
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