Escrito por Gilmar de Oliveira
Estou preocupado com meus filhos. Chegam em casa e vão para os livros e cadernos. Para amanhã, já têm de apresentar tarefas. Saem da área de estudos só mais à noite, estão mais preocupados e o tema das conversas fica sobre tarefas, trabalhos e seminários. A casa precisa de mais vida: crianças e adolescentes gritando, brincando, agitando, bagunçando... isso é vida!
Parece bom ter filhos dedicadíssimos aos estudos, mas não é tanto, não. E não é só na minha casa. Os alunos estão sendo mais cobrados, mais atarefados, e isso no Brasil inteiro, nas escolas particulares. Já nas escolas públicas, as parcas e raras cobranças ficam por conta de abnegados professores do Ensino Médio, preocupados em salvar umas pobres almas para o Paraíso das universidades, via ENEM. Infelizmente, é a dura realidade. As escolas particulares treinam os alunos para ficarem com as vagas mais disputadas, das melhores carreiras, nas universidades públicas. As escolas públicas ficam tentando arduamente mostrar um caminho aos alunos já desassistidos e até conscientes de que lhes sobra uma chance maior no segundo plano social. Salvo raras exceções.
Mas, voltando a falar sobre esta repentina mudança de paradigma no interesse dos estudos dos meus filhos (estão com 13, 12 e 9 anos. No 9º ano, 7º ano e 5º ano, respectivamente). Preocupei-me mais quando vi que os assuntos da escola, no papo descontraído deles na rede não eram os que falavam de alguma situação tola dos professores, ou uma grande aula, ou sobre a molecagem em sala de aula ou o papo de pátio. Passaram a discorrer de compromissos, achei até que era alguma influência minha, pois vivo a dizê-los da minha agenda, onde vou dar aulas, palestras, onde vou dar consultoria... Percebe-se neste ponto, que a escola não traz mais a fantasia das relações sociais, de poder, de união e desunião... o que fica na cabeça de adolescentes é a gama de tarefas e trabalhos que precisam mostrar amanhã e tiveram de ser feitos hoje! A escola passa a trabalhar muito mais na quantidade do que na qualidade. Não dá tempo de se aprofundar em assuntos de maior interesse! O que está ocorrendo?
Outra constatação, tanto aqui no Nordeste como no Sul (onde estive recentemente) é a de que as escolas têm anunciado mais sobre preparação para ENEM do que sobre ensino de qualidade ou ensino que faça refletir. Pelo pouco tempo que dispõem de mídia paga e pela pouca criatividade dos comerciais clichês, as mensagens veiculadas denunciam as escolas. Passam a impressão que ter qualidade é aprovar aos montes para o ENEM. Sabe aquelas escolas que mostram que “APROVARAM” 327432748 alunos no ENEM? Pois é, aquelas escolas mentem! Primeiro, porque elas “contratam” alunos geniais, por via de bolsas de estudo, os melhores alunos de outras escolas. Algumas pagam mais dinheiro, fora a bolsa. Algo como os melhores times contratando craques. E estes alunos aprenderam em outras escolas; talvez aprenderam a pensar sobre a questão e depois resolvê-la, enquanto “os mortais”, os atraídos pelos comerciais, nas aulas a jato, decoram fórmulas, sofrem, se angustiam, lutam para dar conta de tantas tarefas, e os pais, iludidos, felizes achando que tanto assunto a trabalhar seja sinônimo de boa qualidade de ensino, sendo relegados a segundo plano e vendo a cara feia, bufando, dos professores ao menor sinal de dúvida que o aluno traga.
Se o seu filho não for um gênio, o melhor da sala, se ele está dentro da curva normal, notas de 7 a 10, acredite: não haverá ensino de qualidade para seu filho naquelas escolas “de passar no ENEM”. Isso porque as escolas passam a ensinar a jato, sem trabalhar por mais tempo fundamentos importantes e, o pior: SEM TEMPO PARA ENSINAR A PENSAR E A RACIOCINAR. Sem tempo de trabalhar com metas coletivas, de se criar, a exemplo do mercado de trabalho, grupos com metas comuns, que se ajudam mutuamente, que aprendem a pensar num contexto. Eles já chegarão à universidade sem pensar no global, onde a dinâmica do ensino é muito diferente. E o mercado de trabalho é mais diferente ainda, altamente organizado em planos coletivos de metas. Mas nas escolas “conteudistas” com novas roupagens, agora com a Meca do ENEM, só o individual é valorizado. Aliás, só os destaques. A escola acaba não falando, nem de perto, a mesma linguagem que a sociedade moderna: habilidades coletivas são mais importantes que as individuais. Eu garanto: encher de atividades diárias, colocar mil professores em sala em disciplinas divididas, não é qualidade. Nem ensina a viver bem. As famílias mal se veem, mal se falam, atolados em compromissos e a nossa sociedade gera riqueza para poucos e neuroses para muitos.
Filhos: Larguem tudo! Vamos à praia! Nossos neurônios precisam de Sol, sal e sorrisos!