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Jornal da Educação

Psicologia e Educação (Edição Dezembro/2018)

SUICÍDIO: Debater, conhecer para prevenir

Escrito por Gilmar de Oliveira

O suicídio é a quarta maior causa de mortes entre jovens de até 30 anos. É crescente o número de casos de suicídio entre adolescentes, até mesmo antes dos 15 anos (mais raro em outras décadas). Nos consultórios, houve um aumento expressivo de adolescentes com ideações suicidas. Nas escolas, também os relatos dos educadores e psicólogos escolares é alarmante. A cada encontro, postagem em grupos de discussão ou em seminários de psicoterapeutas de adolescentes, mais e mais notícias.

O problema não é somente o suicídio ou tentativas; mas a ideação, o pensamento de que a morte vai trazer alívio às angústias. É o descrédito da vida, é a ausência de perspectivas de que podemos construir ou protagonizar um futuro melhor, desacreditar que podemos resolver nossos problemas. A ideação suicida traz consigo um reflexo de uma geração que não sabe o seu rumo, não vê saída para suas angústias, nem espaço para serem ouvidos, percebidos, aceitos e compreendidos.

Eu vejo que o suicídio é uma tragédia anunciada. O problema é que nós, adultos, não paramos para ouvir e perceber os detalhes. E, muitas coisas que dizem os mais jovens, são sutilezas, são palavras ou gestos que falam muito, mas com poucas palavras (ou nenhuma).

Pior: com pouca ou nenhuma assistência, da escola, das famílias, do governo. Todos ocupados com demandas materiais.

Nas escolas públicas, em todos os estados, vemos uma onda de alunos cortando a pele dos braços com estiletes e lâminas. Cortar-se é um teste sobre os limites da dor física, refletindo a dor da alma. Muitas vezes é indício de que estão reagindo a abusos físicos, psicológicos ou sexuais. E, sim, estes atos podem evoluir para tentativas de suicídio, se estes alunos não forem ouvidos, questionados, orientados e, sobretudo, amparados. É uma forma de chamada de atenção, de expressar angústias não ditas com palavras, nem escritas.

Isso exige o preparo de saber ouvir, de entender e ajudar. Quem investe nisso?

Minha geração falava, desabafava, escrevia... até ensaiava uma fuga de casa. Mas reagia! Esta geração se vê às voltas com maior vigilância e pressão, às vezes com muito conforto, onde até se distraem, se ocupam, mas em geral, com coisas fúteis. Mas a angústia não passa. Precisam ser percebidos, menos criticados, carecem de uma palavra que lhes deixem seguros. Alguém que fale de futuro, de modelos, exemplos de vida. Nos anos 80 e 90, nos países mais ricos da Europa, o vazio e a falta de referência foi causa de milhares de casos de suicídio entre adolescentes e jovens.

Ricos de bens materiais, mas sem o calor humano da palavra amiga, da companhia de seus pais, até mesmo dos limites e regras que norteiam a vida em sociedade. Agora, no Brasil e outros países em desenvolvimento, vemos a repetição do fenômeno. As ocupações do cotidiano agitado, excesso de trabalho, as pessoas sendo muito superficiais, sem um pensamento mais aprofundado, sem a percepção do humano. Muita informação via internet, mas pouco dessa informação se transforma em conhecimento e menos ainda em sabedoria. Isso mata!

As escolas, sem receber o devido treinamento para a prevenção do suicídio, acabam por deixar escorrer vidas entre seus dedos, preocupadas que estão com os conteúdos para o ENEM, este evento satânico de exclusão, que seqüestra o tempo das aulas e o conteúdo útil da mente dos mais jovens, que os pressionam, que os angustiam, como se a admissão para a universidade fosse solução para todos os males.

Em vez de aprendermos a pensar, a refletir, a nos conhecermos enquanto humanos, as escolas enchem de fórmulas e decorebas, com 30 professores por ano lotando as caras apostilas de exercícios de assuntos sem sentido na vida real. Já nas públicas, sem professores ou sem a base, amputa-se o futuro de milhões de jovens, o que causa angústia, evasão das salas e abre espaço para drogas e marginalidade. A escola privada força, pois quanto mais aprovados, mais lucros; os pais pressionam, já que investem e querem seus “juninhos” e luluzinhas como médicos ou engenheiros.

Assim, perdemos a chance de saber lidar com pessoas com sofrimento psíquico. Nessa panela de pressão, milhares de adolescentes se desesperam, se alienam e a maioria dos pais não percebe.

Ao pensarmos sobre problemas emocionais, é bom entendermos que o suicídio não tem como causa principal a depressão. A ansiedade e as crises de angústia (nem sempre associadas a estados depressivos) são males tão grandes quanto e provocam mais casos de suicídio que a depressão. A pessoa, para elaborar sua própria morte, precisa de muita energia psíquica, algo não abundante em depressivos. E estes esclarecimentos não devem se limitar ao universo de profissionais da saúde. O suicídio é um tema que as escolas e as famílias precisam debater, conhecer, pois isto é prevenção!

É na escola que os questionamentos sobre a sexualidade começam a surgir. Então é no espaço escolar que se deve discutir sexualidade, respeito, diversidade e dignidade. Quebrar tabus e preconceitos que muitas famílias inserem nos filhos. Isso porque outra grande causa de suicídio ou de tentativas é a inadequação (não se acha normal) quanto à sua orientação sexual.

Embora estejamos em tempos sombrios, de manifestação legitimada de preconceitos e de muitas mentiras eleitoreiras sobre erotização nas escolas, é o saber científico sobre a sexualidade e suas orientações e variáveis que poderá trazer a cura para uma doença perversa, que voltou à tona: o preconceito; que mata, que violenta, que humilha e torna um inferno a vida de quem não segue o padrão ditado.

Cabe à escola ser firme, resistir à pressão conservadora e populista, ajudar a esclarecer, aceitar e respeitar a diversidade, pois isso é educar e dar sentido a quem não se aceita, salvando vidas e valorizando a ética. Para isso, precisa-se investir em treinamento de professores e especialistas, também em escolas de pais.

É enorme o número de adolescentes gays ou bissexuais que pensam em tirar a própria vida, por medo dos pais ou dos colegas, por eles mesmos não se aceitarem. Lembro de muitos casos de meninos e meninas recém entrados na adolescência, se mutilando e, ao chegar ao consultório, já estão na fase da tentativa de suicídio.

Pais que não aceitam o filho por ser afeminado ou a filha por ser masculina, que os agridem (legitimados por vídeos de políticos e pastores que dizem que é falta de surra). Mães que levam os filhos “com jeitos diferentes” a uma igreja onde o pastor diz que o diabo coloca gays no mundo. Isso fere fundo na personalidade.

Há muito desespero nessas não-aceitações e muitos jovens encontram na escola outro inferno. Mas o preconceito não nasce com a criança, ele é aprendido. Se as escolas trabalharem desde cedo, acaba o preconceito. Assim como é necessário, em muitos casos, que a escola desenvolva projetos com as famílias e a comunidade para que prevaleça o respeito, para que assuntos mais polêmicos sejam compreendidos e, as crises, superadas. Isso é valorizar a vida! É prevenir suicídio.

Outra causa muito numerosa, que leva ao desejo de morte (ou ataques violentos) em adolescentes e jovens, é o desespero de se sentirem humilhados em seus grupos sociais: o bullying.

As famílias precisam estar focadas na situação social dos filhos, na resistência de ir à escola, no isolamento. Precisam ouvir e orientar sem doutrinar para entenderem a situação e ajudar a solucionar o problema. Já a escola, precisa prevenir provocações, apelidos, conscientizando do respeito às diferenças, valorizar convivência, diversidade, companheirismo, ética e pensamento crítico. Vigiar, ouvir e educar.

Os pais de hoje podem ser orientados, mas ainda assim, é necessário que as escolas preparem os pais de amanhã, das famílias do futuro. Mais que fórmulas prontas, a escola precisa falar de vida e prevenir a morte.

Outra questão que os orientadores que trabalham a questão do suicídio nas escolas é a polêmica do uso do celular. Conscientizar sobre o excesso do uso (de pais, filhos e educadores) é tarefa da escola.

Desse modo, previne-se também muitos contatos indevidos dos jovens. Ao mesmo tempo, a escola desenvolve nos jovens o senso crítico e a conscientização de que os pais precisam ter acesso ao aparelho, aos diálogos dos filhos, ao histórico do computador.

Simples: tem adolescente colocando senha em aparelho? Escondem histórico dos pais? Ah, tem coisa errada na situação! De pornografia a desafios suicidas em internet, previne-se vigiando.

Mais que necessário é treinar e capacitar profissionais da saúde mental, formar equipes multiprofissionais para o atendimento de pessoas com transtornos emocionais, de personalidade, doenças mentais e em sofrimento psíquico. E mais ainda: precisamos esclarecer que psicólogos e psiquiatras não são médicos de doidos.

Estamos em pleno século XXI e até mesmo educadores têm este conceito distorcido. Precisamos ofertar o acesso à saúde mental, mas antes, educar e esclarecer a importância desses profissionais. Nas cidades que têm o CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial, os casos de suicídio diminuem cerca de 15%.

Por trás de toda a tentativa de suicídio, há o desejo de parar de sofrer. É preciso aprender a se amar, a se sentir amado, a entender que sofremos frustrações e que temos de lidar com elas e com as adversidades, crises, problemas, erros, vergonha.

É preciso falar sobre os transtornos mentais, sobre nossas angústias, preocupações, cobranças, nossos limites, nossa rigidez, nossas hipocrisias.

A escola precisa ofertar projetos de formação humana para professores e também com os alunos e pais. Precisamos cobrar de políticos um conhecimento maior sobre a realidade dos adolescentes e jovens e o tema suicídio. Esta atenção reduz também a violência, maior causa de mortes de jovens em nosso país.

 
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