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Jornal da Educação

Psicologia e Educação (Edição Junho/2018)

Violência nas escolas: Reflexo do abandono social, a forma mais cruel de violência

Escrito por Gilmar de Oliveira

Trabalho numa escola pública de uma capital do Nordeste, mas vejo aqui as mesmas cenas que via, enquanto consultor, palestrante, professor de pós-graduação e visitante curioso das escolas públicas das periferias do Sul e Sudeste do Brasil.

Trabalho numa região muito pobre, que atende também a muita gente de favelas e da periferia, até áreas de ocupação de terrenos próximos.

Muitas dessas famílias moram em pequenos apartamentos dos planos habitacionais do governo, construídos sem maiores planejamentos de estrutura social, que deveriam ter mais escolas próximas, mais postos de saúde, mais praças urbanizadas.

Pessoas que vivem nas condições que conseguem com seu esforço, pois além de um pequeno apartamento, pouco ou nada mais recebem do Poder Público: vivem sem muita oferta de transporte público, sem atividades e programas sociais que deixariam as multidões de crianças que ali vivem mais ocupadas e instruídas.

Mas nesta escola chegam também crianças e adolescentes moradores dos bairros próximos, que não tem um apartamento, mas habitam barraco de lona, com chão de lama, que de tão pobres, usam lata de tinta e fogareiro de tijolos para cozinhar.

A desigualdade social faz aparecer situações de risco. Assim é no Brasil todo, em muitas periferias abandonadas pelo poder público. Pais que traficam, que bebem até cair, que expõem filhos a situações de risco, que não sabem um A ou B, nem a função da escrita.

Alguns dos professores sequer imaginam o que ouço dos pais que atendo; custam a acreditar a pobreza extrema, que leva à alienação e falta de atitude para saírem das péssimas condições que vivem. E muitos nem percebem que seus alunos vivem assim.

Dentro do meu trabalho de psicólogo escolar, encaminho pra APAE, FUNAD, AMA, CAPS-I... Muitas vezes, avalio lá mesmo, embora não disponha de estrutura para um laudo completo e tenha de tirar de meu bolso, (algo que eu jamais concordava, mas que vi, em certos momentos, como inevitável, face à inércia do Poder Público e da extrema necessidade de muitos alunos e do funcionamento minimamente decente da escola).

A maioria dos pais atendidos tem dificuldades até de pegar o ônibus certo, por desconhecer para onde ficam as instituições, por medo de serem mal atendidos ou negligenciados ou nem possuírem o trocado do ônibus.

Assim é o trabalho dos especialistas, como a assistente social da escola e das pedagogas.

Entre elas, minha esposa, orientadora educacional nesta mesma escola, após 15 anos como efetiva em Jaraguá do Sul, cidade de Santa Catarina com um dos maiores, senão o maior IDEB do Brasil.

No fundo, não foi um choque grande. Pois as violências surdas, da desestrutura de governo e das famílias é muito semelhante e inviabilizam a melhoria da qualidade educacional.

Lutamos para que essa gente em situação de risco e vulnerabilidade não se prostitua, nem trafique, nem que se tire o direito das crianças e adolescentes atendidos. Orientamos. Conversamos, estruturamos vidas de pessoas que, de tão pobres e precários, são invisíveis até para os pobres.

Sem contar que muitos até se ofendem por serem vistos como pessoas que fazem parte da camada mais pobre e vulnerável da sociedade.

É uma luta diária que professores, especialistas e gestores passam para gerenciar os problemas da desestrutura social. E isso se reflete na escola, na baixa qualidade do ensino, por mais que os professores se esforcem. E sequer dispomos de telefone na escola.

E somos criticados por “não resolvermos” a situação da baixa aprendizagem dos alunos ou da indisciplina, como se esses fossem os maiores ou únicos problemas. O que causa a indisciplina é, na origem, a violência social que impera nas áreas mais pobres, que gera a criminalidade.

A escola de gerações passadas falhou com a geração dos pais dos nossos alunos e os mantiveram excluídos, sem chances, perpetuando a falta de perspectiva e sem notarem que é a escola que pode transformar e qualificar a vida das pessoas, das novas gerações.

Eu chamo isso de violência social, onde o próprio aluno agressor ou marginal é vítima e sim, dentro da crueza que o mundo lhe dá, mostra que aprende e sabe ser cruel, frio e transgride as normas sociais, regras estas que a escola não o ensinou a razão e a importância de serem seguidas.

Somos ameaçados de morte. Professores, técnicos, diretores, seja por atrapalhar o tráfico ou orientar contra a prostituição, a violência e o vandalismo.

Mulheres e mães agredidas, violentadas, despreparadas para educar, mas colocam mais filhos no mundo, e as filhas e filhos também. Muitos sem pais. E a desestrutura desses lares e das situações dramáticas interfere no aprender. Denunciamos, encaminhamos e quem os acolhe são muitas instituições, cheias de casos assim, de toda a cidade.

Estamos perdendo esta geração também, com ensino descontextualizado, com tanta exclusão. A vida real nos consome, sem o resultado transformador da Educação. Mas só o que vale, é o ENEM? Até quando?

 
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