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Centro de Educação a Distância

Jornal da Educação

Psicologia e Educação (Edição Agosto/2014)

A “ANTA”

Escrito por Gilmar de Oliveira

Paulo é um menino bem legal com os colegas. Na escola ele é agitado e divertido, corre bastante e se tornou popular porque nas brincadeiras e esportes com corrida o seu time leva vantagem. É bom aluno em matemática. Mas escreve mal, lê pouco, se atrasa para escrever, sua letra é ruim. Nas provas, sua escrita ilegível e sua demora em escrever fazem-no ir mal a ponto de sempre ficar em exame. Esquece as tarefas, sempre pede mais uma chance, outro dia esquece o caderno e sempre perde ou esquece algo. Diariamente é cobrado pela professora, a qual ele odeia. 

A professora é experiente, rígida, afirma que tem o próprio método, pois são vinte anos lecionando e “aguentando tudo quanto é tipo de aluno” e diz que seu estilo já é automático, de tanto fazer a mesma coisa. Adora que seus alunos mantenham a disciplina e aprimorem a escrita, por isso passa textos intermináveis no quadro.  No conselho de classe, a professora mostra-se frustrada com as baixas notas de Paulo e sua compulsão por uma conversa em hora imprópria, como se não percebesse as repetidas chamadas, não se conteve: “Será que ele é tão tolo? Mais parece uma anta essa criatura!” Pronto. Paulo, virou a Anta. A professora e seus 20 anos de mesmice e copismo, esta é “esperta”! Ô!

A Anta, do alto de seus dez anos, segue a vida: adora jogar bola, fixado no videogame, passa horas em jogos de lutas e de guerras. Apronta mil coisas e, muitas vezes, sua mãe vai à loucura de raiva! 

Em casa, a Anta sempre é chamado à atenção por deixar as coisas jogadas e, de tão serelepe, esquece de fazer sua mochila, de colocar os cadernos do dia, perde lápis, deixa tarefas pela metade, trocam datas de entrega de trabalhos. Nos sermões, sempre lhe pedem mais responsabilidade, mais cuidado. Aí Anta chora. Sempre tem uma desculpa pra tudo e, de vez em sempre chora e se faz de coitadinho. São desculpas fáceis de desmascarar. E a Anta gosta de mentir, ô se gosta! Mas suas mentirinhas são tão ingênuas... Já pegou dinheiro da carteira do pai sem pedir, já levou brinquedo da casa dos amigos da vizinhança, se empresta algo não devolve ou não cuida, a ponto de estragar o objeto. Parece que tende a trair a confiança de todos, fazendo “arte” o tempo todo.

A Anta, conforme a professora, precisa amadurecer. Vai reprovar neste ano. Os especialistas da escola concordam e seus pais também. Como pode um menino tão esperto ser tão irresponsável? 

Nunca diagnosticaram Paulo. Com alguém do lado, ele rende. Um neurologista o consultou, e mesmo com exame “da cabeça”, nada foi encontrado. A culpa, então, poderia ser dos pais, que deixam-no jogar videogame demais? Falta-lhe limites, castigos ou uma surra (como se surra educasse)?

A este ponto leitor, se você é educador, lembrou de tantos alunos assim. Quantos Paulos viraram antas e foram reprovados ao longo das últimas décadas? Quantos alunos que abandonaram as escolas por seguidos fracassos, sem diagnóstico, sem acompanhamento competente e rotulados?

O Paulo (nome fictício, obviamente) do texto é uma descrição muito comum na cena escolar brasileira. Ele existe. Não é um. São milhares. São crianças com TDA, Transtorno do Déficit de Atenção.

Não são distraídos, apenas: esquecem fácil (a atenção baixa impede os dados de se fixarem na memória), não refletem sobre seus atos (por isso sentem culpa imediata e passageira), planejam muito pouco, não pensam em consequências, se organizam mal, executam tarefas de forma desorganizada, copiam lentamente pois gastam muita energia para poderem se concentrar na tarefa e cansam do foco rapidamente. São impulsivos e descuidados; as mentiras são mal elaboradas porque a baixa atenção impede de pensarem profundamente sobre a situação. Parecem preguiçosos e lentos para tarefas e rápidos para brincar. Levam vantagem ao ar livre, pois a atenção periférica é preservada. Sofrem, mas nem sempre entendem o motivo de serem tão cobrados. Quase 90% desses estudantes seguem sem o diagnóstico. Cerca de 75% dos presidiários brasileiros foram crianças com TDA ou com hiperatividade, sem diagnóstico.

Um bom diagnóstico por um psicólogo especializado (que deveria estar nas escolas) em aprendizagem, com o uso de testes específicos e muitas vezes acompanhamento médico e medicamentoso fazem estas crianças se sentirem pessoas novamente e retirariam do fracasso escolar milhares de cidadãos que estendem tais problemas para sua vida sem saber que tem tratamento e que são muito mais que seus limites. Encaminhe alunos com dificuldades. Uma sociedade melhor começa por uma escola bem informada, que trata, sem excluir! E lembre-se: aulas dinâmicas e inovadoras, sempre!

 
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