Escrito por Gilmar de Oliveira
Resolvi fazer um trabalho com meus filhos e preciso que nós (eu e os três pimpolhos) assistamos ao noticiário local e regional. A primeira coisa que a minha caçula, de seis anos observa e questiona é “por que eles mostram tanta desgraça numa hora tão gostosa?”... Bem, desgraça chama a atenção, filha.
Os mais velhos (nove e onze anos) também observam o que se mostra em forma de notícias os diversos protestos e pedidos de água, esgoto, médico, vagas em hospital, creches e reclamam de escolas depredadas e interditadas.
O que se vê nestas reportagens, comuns em todos os jornais? Pobres e mais pobres pedindo algum “benefício” do governo, algum vintém que o descaso dos homens públicos deixou de lado e o trabalho quase escravo nas empresas não supriu a carência. Fui questionando com os meus filhos, e eles sugerindo: são pessoas pobres; o governo errando e outras ideias.
Expliquei-lhes que a pobreza não é a causa, mas a consequência daquelas exigências. A ignorância também não é a causa, mas o veículo que os leva à pobreza.
O que há em comum a todos os entrevistados e desgraçados que pululam para dentro de minha casa diariamente, na hora do almoço, é justamente a distância entre uma entrevista e uma reportagem de rua.
Vem a entrevista no telejornal: um artista plástico falando de sua exposição. Logo, outra entrevista, com um consultor financeiro. E agora, meus filhos, o que vocês notaram? “Este rapaz e o moço dos quadros falam bem, estão bem vestidos.” Aham!
O que faz a diferença? Pessoas desgrenhadas, doentes na fila do postinho sem médicos. Uma mulher com dor de dente; mal vestidos dizendo “óia, o que nois qué é nossos dereito” (sic), outros queimando pneus na frente de um loteamento enlameado. Em seguida, outros: falando bem, entrevistados em estúdio ou nos escritórios. A diferença não começa ali...
Explico aos meus filhos que a diferença está no tempo de permanência nas escolas.
A imensa maioria dos pobres das reportagens está ali implorando serviços públicos porque abandonou a escola antes da formatura. Se estudassem, estariam suprindo a incompetência do governo com a recompensa de seu trabalho, como a maioria das pessoas com formação superior faz, neste triste país. Trabalhariam para dispor de plano de saúde, de casa com qualidade em lugares aprazíveis, não comprariam lotes irregulares, nem viveriam dependendo de políticos oportunistas, nem os elegeriam. Não queimariam pneus velhos na rua, achando que soluciona alguma coisa. Aliás, se estudassem o mínimo necessário, não deixariam pneus velhos jogados pelo bairro.
Afinal, onde fica a diferença? Aquela mulher banguela, expondo-se às câmeras, um dia foi uma jovem estudante. Qual dia disse: “hoje não vou mais para a escola”? E seus professores? Qual a razão de um orientador ou mesmo um diretor não ir atrás de uma criança ou adolescente que abandonou a escola sem completar seus estudos?
Como os pais das crianças reagiram à decisão dos filhos em abandonar a escola? Ou mesmo o que levou estes pais a decidirem por impedir que seus filhos estudassem, perpetuando a pobreza, irmã gêmea da ignorância? Claro, sucesso na escola nem sempre é sucesso na vida, mas eleva muito, muito a chance de sucesso!
Será que algum professor explicou aos pequenos que quem abandona os estudos lança sobre si mesmo uma maldição? Mas... Como foi o dia do abandono?
Como estes jovenzinhos se sentiam ao olhar os cadernos, quando associavam que não iriam mais estudar e aprender? Será que esperavam que a professora viesse atrás deles? Será que esperavam estudar “mais tarde”, num fio de esperança sobre um futuro incerto e cada vez mais distante da felicidade?
Na escola, sonharam com o dia da formatura? Com o terno e a gravata do moço da televisão? Sonhavam dirigir aquele belo carro? Como comprá-lo? Como garantir conforto para sua família, no futuro? O que é o futuro? Quem lhes disse sobre tal tema?
Levá-los a acreditar que cada um deles pode ser dono do próprio destino é tarefa da escola, bem cedo, na mesma época que se ensina a lavar as mãozinhas, que se ensina a dizer bom dia.
A diferença está naquela parada da aula, para lhes contar histórias de vida. Fazê-los sonhar. Levá-los a imaginar o progresso, a saída da pobreza, realizações, através da escola. Mostrar exemplos de pessoas realizadas, que progrediram. Não os ricos e famosos, exceções tolas e utópicas; fazê-los se identificar com o esforço e a recompensa, na escola e no trabalho. Pessoas que vieram da miséria e conquistaram uma vida melhor.
Também mostrar histórias de fracasso: pessoas ricas e realizadas que, por falta de estudo, perderam tudo na vida; pessoas que abandonaram a escola e continuaram na miséria.
Desde cedo na Ética e na Meritocracia: Terror de faltar às aulas (claro, com um professor assíduo; os que vivem “arrumando” atestados, morram, por favor), horror de cogitar a ideia de abandonar os estudos.
Quebrar a cultura dominante nas salas, onde quem tira zero é o esperto, quem mata aula é mais livre. Prevenir a evasão, denunciar as famílias negligentes. Orientar muito, desde o primeiro dia.
Esse é o trabalho que estou fazendo com meus filhos. Conscientizá-los de que a escola é um caminho mais seguro.
Gostaria que a escola me ajudasse. Que a sua escola, educador, faça a diferença, como fez para mim.