Escrito por Gilmar de Oliveira
Pais de um aluno autista tiveram de entrar na justiça para garantir que o filho fosse matriculado num curso técnico de agropecuária, no Instituto Federal do Distrito Federal. Ele fez 170 pontos no processo seletivo. Os candidatos com as melhores notas, 330 e os últimos que entraram, fizeram 220. Os cotistas, que vem de escola pública, fizeram 110 pontos.
Note que, sem desmerecer as capacidades de um aluno autista, os alunos considerados normais, vindos de escolas públicas, tiveram notas inferiores ao rapaz com autismo que - conforme a reportagem - tem pequena deficiência intelectual, o que é comum em casos de autismo. Gostaria de abordar este tema, dos péssimos resultados de alunos cotistas, mas vou me ater a um questionamento inquietante: É fundamental que alunos com deficiência devam estudar; mas em todos os cursos?
Na Educação Básica, ainda “conteudista e enciclopédica”, acrescenta-se ganhos (poucos) além da socialização, pois ocorre o aprendizado da leitura e do aporte de conhecimento, nas raras vezes que o professor consegue o milagre da transformação de informação morta em conhecimento utilizável. Sim, pessoas com deficiência são capazes.
Todas as deficiências, quando estimuladas, são minimizadas, mas até que ponto pode-se inserir tais pessoas no mercado de trabalho no âmbito técnico em algumas áreas? Será que as pessoas com deficiência, quando consideradas educáveis, desenvolvem as habilidades necessárias para o pleno exercício de todas as profissões? Um técnico em Química, mesmo habilidoso, se for desatento, pode explodir um laboratório.
Um técnico em enfermagem, noutro exemplo, se tiver alguma deficiência que não permita o pleno entendimento de um prontuário, mata um paciente. Um técnico em farmácia, seja atrás do balcão ou manipulando substâncias, pode causar riscos, se suas habilidades cognitivas tenham comprometimento. Citei estes exemplos por conhecer nestes referidos cursos, aqui em Santa Catarina, pessoas com deficiência intelectual ou cognitiva que estudam tais cursos técnicos e na iminência de se formarem, pretendem trabalhar na área, obviamente.
Sabemos que o mercado seleciona, mas quando pessoas com diplomas e inaptas para exercício profissional especializado (de acordo com o próprio mercado de trabalho), saem buscando vagas, e nada encontram, forma-se uma geração de excluídos, por serem superestimados e depois abandonados ``a própria sorte”, com o diploma na mão.
Pessoas com deficiência têm muitas capacidades, bem acima de suas limitações, mas faz-se importante, frente à ignorância da imensa maioria dos coordenadores de cursos de lidar com este tema, determinar padrões, oferecer requisitos mínimos para exercícios profissionais e orientar carreiras, com análise de seus limites e potencialidades. Apenas colocar pessoas com deficiência em sala de aula, sem preparo do professor nada resolve. Mas é tão ou mais desumano ver pessoas que se superam em certas limitações perderem tempo, dinheiro e ânimo de viver, quando não possuem a devida orientação profissional, sobre as habilidades necessárias para certas profissões e, no afã da inclusão, serem excluídas profissionalmente ou colocarem em risco a si ou aos outros.
Lembro-me de uma jovem, no início de minha carreira, com deficiência intelectual que já fazia estágio para lecionar, e somente neste momento descobriram que havia alguma limitação na moça. Ou de um menino que errava até seu nome (isso mesmo!), sonhando em ser analista de recursos humanos, numa faculdade que lecionei. São pessoas que, bem orientadas, teriam condições de exercerem profissões dignas, dentro de suas capacidades.
Já é hora de pensarmos em requisitos mínimos a todos os cursos, em analisarmos a questão da inclusão não como um “tudo pode”, mas como um ajuste necessário à segurança e à realização das pessoas, como no caso do garoto autista, que por amar animais, foi jogado às feras pela família para ser agrônomo, sem saber ao certo o que lhe espera no campo profissional.