Escrito por Gilmar de Oliveira
"Ele é preguiçoso, não tem vontade para nada, não aprende porque não quer."
"Ele gosta mesmo é de aprontar, não quer saber de escola, não respeita e só faz o que interessa a ele."
"Parece que faz assim de 'birra'. Acho que vem para me irritar, me contrariar."
"Inteligente ele é, porque 'apronta' coisas incríveis fora da sala. Na aula, parece que faz errado de propósito."
As frases acima são as que mais ouço quando vou às escolas, ouvir dos professores sobre o rendimento e o comportamento de meus pacientes. Estas e muitas outras, com pequenas diferenças de expressão (não de conteúdo), expressam, inevitavelmente dois pontos cruciais:
1) O professor levou a situação para o lado pessoal, e o comportamento apático ou desafiador do aluno causa irritação e stress ao professor.
2) O professor e a escola em geral não sabem qual a forma adequada de agir (se é que existe uma) frente a alunos que não apresentam bom rendimento e ficam apáticos ou inertes frente aos conteúdos, quase sempre "agitando" a escola quando fora da sala, alegres, alvissareiros ou sem limites, irritando por ser diferentes dentro e fora de sala.
Meus pacientes têm, em geral, de 6 a 16 anos, ou seja, alunos em idade escolar de ensino fundamental, levando em conta que muitos deles reprovaram antes de iniciarem um processo de diagnóstico e tratamento de seus déficits de aprendizagem. Ou seja: seres que, na opinião dos educadores, são terríveis e cruéis, frios e manipuladores, como agentes especialmente treinados para enlouquecer professores.
O discurso da imensa maioria dos professores brasileiros é de que o aluno é responsável por sua aprendizagem. Em seguida a responsabilidade pela boa ou má aprendizagem é dos pais (família), após vem os professores, seguidos da didática e da estrutura da escola*.
Os alunos são os culpados, portanto. É mais ou menos como a vítima do estupro se tornar culpada porque não chegou ao orgasmo, ou o atacante perder o gol, o goleiro tomar um frango e o técnico ser demitido. Algo torto assim.
Claro, é mais simples achar culpados. Mas não temos, na escola (a não ser propositalmente, aí sim podemos falar na palavra culpa) tenhamos funcionários negligentes, culpados pela má aprendizagem e pelo despautério que se encontra a Educação. Nossas escolas têm profissionais dedicados e esforçados, mas despreparados.
O motivo maior do erro de diagnóstico, que torna o aluno culpado da não-aprendizagem escolar, advém da falta de qualidade e do preparo técnico que os professores receberam durante a faculdade.
Depois, claro, os professores se angustiam frente ao aluno que reage com apatia, indiferença ou com uma empáfia de desafiador quando não acompanha o desenvolvimento dos assuntos junto com a turma.
O aluno então, sofre com a cobrança, porque não vê alternativa para melhorar e acha que sim, ele é incapaz e culpado por seu rendimento abaixo do esperado. E o professor, frente a um comportamento apático ou indisciplinado é induzido a uma falsa impressão de que o aluno pode melhorar sozinho. Que aprende se quiser.
O aluno que não estuda em casa em geral não é acompanhado (só cobrado) pela família, nunca viu pai ou mãe estudando ou lendo e pouco sabe de alguma técnica de estudo. Assim como a maioria das perguntas dos exercícios são dúbias, mal elaboradas, não despertam interesse nem desenvolvem uma nova habilidade, nem leva a pensar ou explorar o conhecimento (no máximo a repetir ou achar um trecho do texto), o aluno com dificuldade foge dos afazeres. Prefere a bronca a acreditar que pode. O aluno com preguiça, apatia ou agressividade está sofrendo! Preguiça não é causa, é sintoma! Reconhecer o sintoma e achar a causa é obrigação da escola.
O comportamento inadequado esconde o sofrimento do aluno frente a cobranças de coisas que ele não sabe como resolver. Em geral, a preguiça e o desinteresse pelos estudos (ou a aversão a livros, leitura e caderno) são sinais de que houve cobrança no aluno por habilidades que ele não domina e resultam do medo da bronca, da cobrança pelos erros, da culpa por não expressar o que o professor quis. Um dos mecanismos de defesa é a indisciplina.
Outra defesa é a apatia, a preguiça ou a negativa em fazer atividade. Mas ele está sofrendo naquele momento em que é cobrado. O professor é visto como chato e o conceito de si mesmo joga a auto-estima no chão (de ambos os lados, do aluno e do professor). A diferença é que o professor para se defender, transfere a culpa ao aluno. Ou seja, enquanto o aluno se culpa e altera sua conduta para algo que irrita mais ainda o mestre, este transfere a competência de ensinar na obrigatoriedade do educando em aprender e obedecer. Este, por sua vez, não cumpre esta tópica e reforça no professor, na família, nos especialista e no educando a certeza que a culpa por maus resultados na escola é do aluno, sempre do aluno. Este ser terrível, treinado por alguma frente terrorista para destruir a paciência e o equilíbrio de professores, pais e orientadores.
Enquanto isso, na faculdade, apresentações de Teorias Epistemológicas tomam o lugar de treinamentos de manejo didático e formas de lidar e lidar com dificuldades de aprendizagem.