Escrito por Gilmar de Oliveira
Consegui. Causei discussões acaloradas em algumas escolas, dentre os meus cinco ou seis leitores. Na coluna do mês passado mexi num vespeiro, falei de um assunto sagrado, a sexualidade discutida na escola sem pudores.
- Travesti na escola, o senhor enlouqueceu de vez? Foi uma das dezenas de mensagens que me enviaram de uns dias para cá. "O senhor é um pervertido!", escreveu uma professora. Creio eu que ela me conhece, pois acertou. Aos olhos dos docentes conservadores e que insistem na manutenção de valores que excluem e pregam preconceitos, o engessamento de uma sociedade baseada em desigualdade e injustiças, devo ser um pervertido sim. Ainda bem.
Uns escreveram me dizendo que sim, estavam em baixa com a sexualidade com tamanha carga horária e salários desanimadores. Outros, dizendo que a sexualidade nada tem a ver com a profissão que escolheram. Aham...
A turma da "Religião acima da Educação" disse que "faltou Deus" na minha formação. Verdade. Ainda bem. Sobrou religião como objeto de estudo. Os deuses perderam um devoto. A educação tradicional, um crítico.
Os defensores da família tradicional ainda não se deram conta que esta instituição está tão decadente quanto nossas escolas. Ainda bem. O casamento tradicional está decadente. As famílias com suas tradições e rigores, com uma falsa moral que beira a hipocrisia (e seus jantares empolados como os cabelos das senhoras, suas festas sem graça regadas a picuinhas, comilança e álcool), vê com dor e espanto o crescimento da diversidade, da pluralidade de idéias e costumes, antes vistos como anormais; agora, detentores de direitos, exigindo respeito.
Já passou da hora dos professores mais sensatos, mais críticos e com mais atitude buscarem uma nova concepção de mundo dentro das escolas. A dialética há muito abandonou a escola. Os falsos valores ficaram. E na escola, nem os falsos, nem os verdadeiros valores devem ser ensinados. Estes temas devem ser pensados, discutidos...
As novidades de um mundo que muda a todo instante e que requer cidadãos críticos não adentraram o ambiente educacional. Nossos professores, em sua maioria sem tempo, ânimo ou conhecimento não concebem novas formas de aprendizado nem para os velhos e mortos conteúdos que ainda se arrastam nos planos de curso. De quê adianta reformular conteúdos com as velhas cabeças? Quem sabe com o novo Ensino Médio. Pago para ver...
As novas formações familiares, as novas formas de trabalho, os novos cursos superiores, as novas formas de pesquisa, a globalização, as mudanças climáticas e a Ecologia, o mercado de trabalho mais seletivo são temas que raramente são trazidos à tona. Nossos alunos estão desinformados. Nossos mestres mais ainda.
Ou os dirigentes educacionais se mobilizam frente a estas novas concepções educacionais, ou a Escola passará a fazer mal aos nossos alunos, se já não o faz. Ah, os conteúdos inócuos fazem mal, sim. As opiniões pessoais de muitos professores também influenciam mal a cabeça de nossas crianças e adolescentes, que antes de ouvir informações que não usam no dia-a-dia, poderiam estar aprendendo a pensar e a buscar profundidade em temas de sua realidade ou de um mundo que precisamos compreender e aceitar, com déficits sociais, culturais ou intelectuais. O tempo perdido com verdades prontas já faz mal. Olhem nossos jovens de hoje: indiferentes... Alheios e quietos, como bois no matadouro. E nossos mestres nas salas, ensinando um saber arcaico e enciclopédico.
Como seria útil se nossos educadores compreendessem sobre o mercado de trabalho e as novas profissões; como seria útil se nas aulas de Humanas se discutisse sobre Ética e suas vertentes ou sobre Sexualidade, sobre os gêneros sexuais, sobre a diversificação das bases sociais e sobre Política e o papel do povo na construção de um mundo mais justo.
Muitos ainda querem apenas ensinar as disciplinas e seus valores em crise. Quantos projetos interdisciplinares baseados na Ecologia e Desenvolvimento Sustentável foram desenvolvidos na sua escola nos últimos anos? Quantos tipos de famílias existem em sua comunidade escolar? Qual a origem da criminalidade? Quais os efeitos da má distribuição de renda? Maconha vicia mesmo?
Por que nossos políticos são assim (o sentido do "assim" na frase anterior fica a seu critério, leitor. Só estou exemplificando...)? Como nossos alunos pesquisam? O que buscam na internet? Como filtram?
Nesse breve "brainstorm", puxei vários temas que, em geral, são alheios à escola. Mas não alheios do mundo real, este que começa quando acabam os muros da escola (aqui com "e" minúsculo mesmo). Olhe quantos assuntos. Imagine quantos projetos, quantos debates, quantas oportunidades dos alunos pensarem e crescerem.
Uma Escola que precisa aceitar a diversidade, a dialética, a mudança, as verdades inacabadas que formam a tópica do mundo. Pensar. Pensar sobre a chatice desse mundo com cada vez menos excêntricos, mais exigente, mais politicamente correto, mais alienante, mais bovino. Só uma nova Escola nos trará um Brasil melhor.
Exija cursos, professor. Exija treinamento. Mas leia, busque conteúdos. Faça projetos, busque subsídios.
Dos mestres acomodados, fabricantes de "bovinos", o tempo um dia se encarregará. Ainda bem.