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Centro de Educação a Distância

Jornal da Educação

Psicologia e Educação (Edição Novembro/2007)

Professor-bico, Farsas escolares e o mundo emocional do aluno

Escrito por Gilmar de Oliveira

Recentemente, uma senadora catarinense causou fúria em alguns diretores e políticos ligados (??) à Educação em Santa Catarina, ao afirmar que, para muitos professores da rede pública estadual, ser professor é um "bico" (termo que se usa para definir uma ocupação quebra-galho). Podemos ir até mais longe: para a maioria dos professores da Rede Pública Estadual e Municipal da imensa maioria dos municípios catarinenses, ser professor é estar sub-empregado. Mero bico mesmo! Faço um desafio a você, leitor: entre pela Internet nos editais de concursos públicos, nos sites especializados na área e veja o piso salarial do professor.

Em municípios catarinenses, pasmem, o salário do zelador, do tratorista e do auxiliar administrativo são iguais e até maiores que a base do salário dos professores com 40 horas semanais. E o baixo salário (pior que baixo, ofensivo!) da Rede Estadual de Ensino em muitos municípios é alto, comparando com cidades menores de todas as regiões. A base emocional do mestre não sofre um duro golpe dessa forma?

Os salários em geral de todas as profissões (exceto médicos e dentistas, em certos casos) na rede pública são baixos, mas não tão absurdamente baixos como na Educação. Exceção para as redes municipais do Norte e das maiores cidades do Vale do Itajaí.

Isto reflete, como sabemos, na qualidade do ensino, pois não sobra dinheiro para comprar livros, para cursos que realmente prestem, para o lazer "esfria-cuca" que o professor precisa. E revela, também, uma condição humilhante. Nada contra tratoristas ou zeladoras, que até ganham pouco, mas são profissões que não exigem escolaridade superior e nem esforço acadêmico constante; e têm um salário quase sempre igual ou maior, que os professores com licenciatura e pós-graduação?! No máximo 50 reais foi o que constatei em alguns editais.

Um prefeito que assina um edital desses, deveria ajoelhar no milho! O que estará querendo dizer à sociedade ao assiná-lo? Pretende mostrar que só meia dúzia de madames abastadas que não precisam do salário, podem ser professoras? Ou que seu município não deve precisam assegurar qualidade de ensino e vida para suas crianças, os adultos de amanhã?!

Magistério não é sacerdócio para ser abraçado! Definitivamente, não se faz qualidade sem escola impecavelmente limpa e equipada, sem professor remunerado adequadamente, capacitado e atualizado.

Se os professores de municípios menores, pesquisassem mercado de trabalho fora da educação (fácil nestes tempos de Internet), fogem da escola e vão trabalhar em chão de fábrica, por nove horas diárias e receberem-sem provas para corrigir nem aluno mal-educado para reeducar-por volta de R$ 1000,00. E não precisa procurar muito!

Além do salário, tem plano de saúde, vale alimentação, cesta básica, farmácia, brindes natalinos, recreativa, sindicato atuante e por aí vai. Mentira? Conheça as empresas de Jaraguá do Sul, Joinville, Blumenau, Itajaí e região! Ainda arrisca a, com escolaridade maior, logo ser promovido e receber salários ainda maiores.

Claro que existem municípios que pagam mais e que salário não é tudo. Mas é uma linguagem subliminar que deve ser entendida. O que se quer de professores mal pagos (muito mal!)? Para onde vai a auto-estima e sua segurança financeira?

Como um aluno estudando em escola-ruína com professor-bico, se sente? Como constrói sua identidade? Como vê as chances de ascensão profissional para si? Será mesmo que ele as vê?

E, se professor em escola pública não é bico para a maioria, segundo os dirigentes, porque se aceita pessoas sem formação para atuar na área? Qual diretor reclamaria de um médico ou um veterinário lecionando Biologia? Mesmo que não saiba o que é didática, nem saiba sobre os xilemas e floemas da Botânica, todos ficam felizes. Por outro lado, o professor não vai ao consultório clinicar no lugar do médico (e se for, vai preso pela Polícia Federal por exercício ilegal da profissão). Contador pode lecionar Matemática, professor não pode assinar auditoria...

O que dizer das escolhas de vagas para ACT's, onde as vagas nas escolas mais distantes ou aquelas de disciplinas com menos professores inscritos são leiloadas como se oferece as sobras de feira: "Olha aí, gente, 10 horas de Artes na Vila Chinelo Velho, queeem queeer???? Pode juntar com mais 10 horas de Química genteeeeee!!!"

Aí vemos os bicões do sub-emprego lecionando Artes, Química e Geografia, sob a batuta das coordenações gerais.  Quem já participou pela escolha de vagas para ACT, como eu, já viu isso muitas vezes!

Depois, pensemos nós: O aluno não percebe o professor despreparado? Como pode respeitar a escola em ruína, quase sem aulas? Ou o suposto saber do professor que ganha menos do que seu pai, sem escolaridade? Ou alguém pensa que aluno não se percebe desrespeitado?

E o aluno vai crescer, vai olhar para sua escola e relembrar situações de falta de professor, de professores simplórios lecionando o que não sabem, das lamentações pelo  baixo salário... Será que este situação mexe ou não, com a auto-estima e a autoconfiança de quem quer ir mais longe em sua vida?

Será que o aluno de 6ª ou 7ª séries, não perceben os absurdos que se fazem na escola, para proteger o professor inepto que foi ofendido, ou para disfarçar aparelhos quebrados ou salas de aula podres?

E, falando nisso, para dizer que a Escola teve 200 dias letivos no ano..céus, quanta mentira! Homenagem para as mães é dia letivo, marcha (coisa anacrônica) é dia letivo, bingo de sábado é dia letivo...Santa Aprendizagem, Batman!!!

O aluno percebe tudo isso, percebe o professor que ganha mal e até agora não associava isso ao crescer com suas dificuldades profissionais e ainda votava nos mesmos que dificultaram sua vida profissional. Oxalá que nossos alunos cresçam, votem para mudar, se candidatem (precisavam mais que a cidadania do cala-boca de muitas escolas) e mudem esta realidade, para que os professores-educadores profissionais tenham novamente a maioria nas escolas e a sua dignidade restabelecida.

 
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