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Jornal da Educação

Notícias Anteriores (Edição Junho/2012)

Os dilemas do ensino médio

Escrito por Letícia Vieira

No que tange ao sistema catarinense de ensino, a proposta de implementação do Ensino Médio em Tempo Integral tornou-se temática recorrente no ano de 2012. Tamanha atenção deve-se ao fato de que o Ensino Médio é, atualmente, o elo frágil da educação brasileira, pois grande parte dos alunos com idade para cursar este nível de ensino encontra-se ainda fora da escola.

A proposta de implementação do Ensino Médio em Tempo Integral no Estado surge, neste contexto, como uma resposta à necessidade de mudanças e avanços para este nível de escolarização, que urge por reformulações. Percebendo a necessidade de debater esta temática, no dia 31 de maio de 2012, foi promovida, como parte da programação do "VII Colóquio Ensino Médio, História e Cidadania", uma mesa-redonda com vistas a discutir a implementação desta proposta de reorganização do Ensino Médio nas escolas públicas do Estado.

A mesa-redonda intitulada "Ensino Médio em Tempo Integral em Debate" reuniu pesquisadores, professores e representantes dos órgãos e secretarias ligadas ao Ensino Médio Catarinense, entre eles a professora Maike Cristine Kretzchmar, gerente do Ensino Médio na Secretaria de Estado da Educação, professor Gildo Volpatto, membro do Conselho de Educação e reitor da UNESC e professor Roberto Puentes, pesquisador do Ensino Médio Brasileiro. O debate contou, ainda, com a participação da comunidade acadêmica da UDESC e de professores e estudantes de outras instituições do Estado e do país.  {mospagebreak}

A discussão teve início com a apresentação da proposta de Ensino Médio em Tempo Integral por parte da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina, representada pela professora Maike Ricci. A fala da gerente destinou-se, sobretudo, a fornecer informações gerais sobre o projeto, apresentando os aspectos teóricos sob os quais se assentam os pilares da proposta e defendendo-a enquanto tentativa de reestruturação radical das bases do Ensino Médio e de busca por um efetivo choque de qualidade para este nível de ensino.

De acordo com a representante da Secretaria de Educação, a implantação do Ensino Médio em Tempo Integral nas escolas públicas da cidade de Florianópolis é urgente, visto que "o ensino médio apresenta os piores indicadores de aprendizado e conclusão da educação brasileira: apenas metade dos matriculados conclui os estudos e 10% aprende o que seria o mínimo adequado segundo as expectativas vigentes" (profª. Maike Ricci).

A implementação da proposta exige ainda, segundo a professora, um resgate do sentido do ensino e da escolarização junto às famílias e aos alunos, de forma que prosseguir nos estudos torne-se, para os jovens com idade para cursar o Ensino Médio, mais atrativo do que o ingresso no mercado de trabalho.

O caminho percorrido pelos alunos do sistema público de ensino para chegar ao Ensino Médio, leva-os, contudo, ao oposto do que é almejado pela proposta. Os dados do SAEB/INEP apresentados pela gerente Maike Ricci apontam que, ao concluir o 5º ano do ensino fundamental, 34,2% dos alunos aprenderam o que era adequado para Língua Portuguesa e 32,54% para matemática. Já ao finalizar o 3º ano do Ensino Médio, 28,9% dos alunos aprenderam o considerado satisfatório para português a apenas 11,0% para matemática (SAEB/ INEP – Elaboração de Todos Pela Educação. 2009).

É evidente a necessidade de retomar o sentido da escolarização junto aos alunos do Ensino Médio para que estes índices sejam revertidos. Por outro lado, sabe-se que o ingresso destes jovens no mercado de trabalho envolve também uma questão estrutural, própria do contexto brasileiro, onde existe, para uma parcela considerável dos alunos do sistema público de ensino, a necessidade de prover a própria subsistência.

É necessário pensar a problemática da ausência de políticas públicas que auxiliem os alunos neste sentido, o que, segundo a gerente, será contemplado na proposta através da concessão de bolsas de auxílio permanência a alunos monitores.

Os dados apresentados pela professora Maike Ricci e refutados professor Gildo Volpatto, destinaram-se também a esclarecer que a proposta de implementação do Ensino Médio em Tempo Integral, oficialmente, vai além da ampliação da carga horária, primando principalmente pela formação integral e humana do aluno a partir de um trabalho pautado no ensino de conteúdos universais e que tenham vistas não apenas ao acúmulo informacional, mas ao desenvolvimento global do aluno.

"Sem envolvimento dos professores, nada vai mudar no Ensino Médio" (Profª. Maike Ricci)

A representante da Secretaria Estadual de Educação e o representante do Conselho Estadual deram ênfase ao fato de que toda reestruturação do Ensino Médio no Estado de Santa Catarina passa pelo comprometimento e atuação dos professores. Não foram apresentadas, contudo, saídas ou propostas efetivas para valorização da categoria – o que foi problematizado pelo debatedor Roberto Puentes.

Segundo Gildo Volpatto, para a efetiva implementação do Ensino Médio em Tempo Integral no Estado de Santa Catarina, existe a necessidade urgente da efetivação de medidas como a contratação e formação de professores, valorização do magistério, ampliação e adequação da estrutura física, aquisição de novos equipamentos e instrumentos e criação de políticas de incentivo a inclusão e permanência dos estudantes e políticas de reconhecimento e estímulo a propostas inovadoras de ensino e gestão.

Pesquisador da área, docente na Universidade Federal de Uberlândia e um dos organizadores do Livro "Ensino Médio: estado atual, políticas e formação de professores" (Editora EDUFU, 2012), o professor Dr. Roberto Puentes contrapôs-se diretamente à proposta de Ensino Médio em Tempo Integral. Segundo o autor, desde a LDBEN/1996, que visava promover igualdade de acesso e permanência em todos os níveis de ensino e onde destinou-se especial atenção ao Ensino Médio propondo melhorias, por exemplo, para o currículo – trazendo propostas de aprimoramento do aluno enquanto pessoa humana – e para o aumento do nível de formação dos profissionais atuantes no ensino, tem-se investido para retirar o Ensino Médio da situação precária em que se encontra.

Os avanços neste sentido vêm, contudo, mostrando-se insignificantes. Segundo o pesquisador Roberto Puentes, a universalização do Ensino Médio é, ainda, um sonho: cada vez mais crescem os índices de insatisfação por parte de alunos, professores e gestores, caíram as matrículas nas escolas regulares, agravaram-se as condições de trabalho e os níveis de profissionalização dos docentes e o desempenho dos estudantes também sofreu considerável queda. A projeção do Brasil em nível internacional, quando se fala do Ensino Médio, é também trágica: o país aparece em 53º lugar entre 65 países que participaram da pesquisa em 2009 (PISA, OECD, 2010).

No que tange à formação dos professores, os dados apresentados pelo pesquisador no decorrer do debate são igualmente alarmantes: 10% dos docentes atuantes no Ensino Médio não possuem título de ensino superior, 25% dos professores são designados ou contratados temporariamente, metade destes profissionais ministra aulas entre 21 e 40 horas semanais e 70% atende a mais de sete turmas.

Os alunos encontram-se em situações igualmente precárias: possuem baixo capital financeiro (50% com menos de cinco salários mínimos), baixo capital cultural familiar (apenas 18% dos pais com nível superior), baixo nível de expectativa, insatisfação perante à escola e às práticas pedagógicas e baixo nível de atenção (31%).

Mantém-se, neste sentido, o questionamento já levantado pelo professor Dr. Norberto Dallabrida, pesquisador do Ensino Médio, quando se discutiu esta proposta: não seria mais oportuno remunerar melhor e qualificar em nível de pós-graduação o atual corpo docente do Ensino Médio público? Acrescenta-se, a este questionamento, outra reflexão: quais as reais possibilidades do orçamento público do Estado destinado à educação para suprir as demandas exigidas para implementação da atual proposta de Ensino Médio em Tempo Integral?

Deve permanecer, das dúvidas e críticas levantadas no debate, o desafio proposto pelo debatedor Roberto Puentes de desenvolver pesquisas que se debrucem a desvelar as razões pelas quais os indicadores de proficiência e os índices de abandono, aprovação e reprovação tendem a piorar na medida em que se ascende o nível educacional, ganhando grandes proporções no Ensino Médio.

Resta-nos, ainda, avaliar a proposta de implementação de Ensino Médio em Tempo Integral, onde coloca-se uma parte das expectativas em profissionais que encontram-se desvalorizados, sem identidade e carentes de planos de carreira – sem, para tanto, apresentar propostas de valorização destes profissionais – e a outra parcela em jovens que não puderam, ainda, perceber na escola o sentido que tanto se almeja resgatar.

 
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