Escrito por Letícia Vieira
Em pesquisa lançada recentemente, intitulada “O futuro do mundo do trabalho para as juventudes brasileiras”, foram veiculados dados interessantíssimos para pensarmos os atuais desafios para a educação, a partir das tendências e mudanças de padrão nas configurações sociais e de trabalho.
Para iniciarmos essa conversa, vale trazermos dados do panorama feito nesta pesquisa, sobre as juventudes, hoje, no país. Segundo o estudo, o Brasil tem uma das maiores taxas de jovens sem estudo e sem trabalho (27%), mesmo no contexto da América Latina. Os índices “sem-sem” são ainda maiores entre jovens de baixa renda e com famílias de baixa escolaridade, bem como entre jovens mulheres e mães; jovens não-brancos; jovens que moram no Nordeste; jovens rurais e jovens responsáveis/cônjuges com filhos.
O Brasil demonstra também um aumento significativo nos índices do que vem sendo denominado “jovens em desalento”, ou seja, aqueles que desistiram de estudar ou procurar um emprego. As taxas, no país, passaram de 1,5% no primeiro trimestre de 2015, para 4,6% em 2019, sendo, um dos motivos para este desalento, segundo o IBGE, o fato de não terem qualificação ou experiência profissional.
A mudança da nomenclatura, de “nem-nem”, para “sem-sem”, realiza um deslocamento importante, retirando dos sujeitos a responsabilização pela não continuidade de seus percursos escolares ou pela não inserção nos mundos do trabalho. Em outras palavras, a virada deste termo evidencia que a condição desses jovens é determinada, em grande parte, por condições sociais que escapam à sua vontade ou interesses. São jovens sem possibilidades de dar continuidade aos estudos, pelos diferentes fatores, e sem possibilidades de inserção nos mundos do trabalho. Logo, o termo “sem-sem” parece traduzir melhor essa falta de oportunidades.
Somado ao cenário de crescente desalento, tem-se o cenário de previsão de mudanças no contexto social e nos mundos do trabalho, com mudanças relevantes no padrão de globalização, mudanças demográficas, flexibilização das relações de trabalho, mudanças climáticas, mudanças no padrão de consumo e mudanças no sentido da digitalização da economia - e, acredita-se, esta última merece um pequeno destaque.
Falar de tendência de digitalização da economia pode parecer óbvio, algo para o qual estaríamos naturalmente preparados na geração de smartphones e informação na palma da mão. Ledo engano. Trata-se de uma mudança radical de cenário, apontando para a substituição de postos de trabalho pelo uso de máquinas (principalmente os de baixa complexidade) e para mudanças nas formas de entrada no mercado de trabalho, existindo uma tendência de eliminação de postos de trabalho de entrada. Além disso, tal tendência indica a ampliação da demanda por habilidades digitais e de oportunidades no macro setor de tecnologias da informação.
Diante desta mudança de cenário, entre as economias emergentes e as carreiras de futuro, desponta a economia digital, com previsões de atingir 25% do PIB global até 2025 e uma configuração que indica grandes mudanças na inclusão produtiva das juventudes. Incorporando recursos digitais à indústrias, mercados e diferentes cadeias de produção, a economia digital é transversal e aderente às demais economias e influencia todos os mercados. Mais do que isso: as habilidades tecnológicas aparecem como exigência em todas as demais economias emergentes - Economia do Cuidado, Economia Verde e Economia Laranja, também abordadas no estudo citado. Em um país onde apenas 59% da população tem acesso à internet, essa é uma questão que merece especial atenção.
Trazendo a discussão da pesquisa diretamente para o campo educacional, deve-se acrescentar que a Base Nacional Comum Curricular inseriu, em sua competência 5, uma competência diretamente voltada ao desenvolvimento de Cultura Digital. Nela, preconiza-se que o estudante desenvolva, ao longo de seu percurso educacional, do ensino fundamental ao ensino médio, a capacidade de “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”.
Além disso, os próximos anos trarão a obrigatoriedade, por parte das Redes Estaduais e Municipais, da implementação de leis como a Lei Nº 14.533/2023, que define a Política Nacional de Educação Digital.
Felizmente, em Santa Catarina, essa questão parece não ter sido totalmente ignorada. O Currículo Base do Território Catarinense traz, na etapa do ensino médio, uma área de concentração voltada ao desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, na qual são trabalhados componentes curriculares eletivos como Educação Tecnológica, Cultura Digital e Pensamento Computacional. Além disso, Santa Catarina é um dos Estados a implementar, em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, o Curso Técnico Experimental em Ciência de Dados e possui, em seu Portfólio de Trilhas de Aprofundamento, que fazem parte dos Itinerários do Novo Ensino Médio, trilhas como “Linguagens Tecnológicas para Sociedades em Rede” e “A Tecnologia das Coisas: uma perspectiva sustentável na sociedade contemporânea”.
Mais do que “apenas” um currículo, a Rede demonstrou esforço em dar às escolas condições para o trabalho com esses componentes. No ano de 2022 foram adquiridos em torno 300 espaços makers, com tecnologia de ponta, para a entrega em escolas públicas. Dentre os equipamentos adquiridos, lousa digital, impressora 3D, cortadora a laser e notebooks para a prototipagem de projetos. Os primeiros laboratórios montados, já em 2022, evidenciam a assertividade da aposta: nas escolas onde os espaços já foram montados, professores estimulados, estudantes interessados e em contato com tecnologias que seriam de difícil acesso fora de um espaço como esse no contexto das juventudes.
Abaixo, o relato do gestor de uma das Unidades Escolares que recebeu o espaço:
“O espaço Maker foi uma grande conquista para o CEDUP José Buss. A diversidade de materiais e as possibilidades que esse espaço nos proporciona são muito amplas. Estamos aprendendo todos os dias e acredito que esse processo continue assim, devido ao leque de possibilidades que ele nos apresenta. Estamos constantemente buscando a interação entre o orientador do espaço Maker, os coordenadores dos cursos técnicos e os professores dos mesmos, para que possamos usufruir da melhor maneira possível e para que possamos enraizar essa Cultura Maker no ambiente escolar do CEDUP. Acreditamos que a inovação tecnológica e o poder criativo são de suma importância na formação técnica de nossos alunos”.
Marcos André Roecker
Gestor do CEDUP José Buss / Braço do Norte
Um grande passo no início dessa caminhada que, espera-se, tenha continuidade e renda bons frutos às juventudes catarinenses no cenário que se desenha.
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), técnica universitária no Centro de Educação à distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Disponível em: https://www.fundacaotelefonicavivo.org.br/download.php?dir=pdfs&file=o_futuro_do_mundo_do_trabalho_pesquisa.pdf Acesso em 26 mar. 2023