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Jornal da Educação

Histórias da Educação (Edição Agosto/2022)

Educação de mulheres católicas

Escrito por Norberto Dallabrida


Foto de Paulo Sérgio Zembruski

     No Incanto Trentino – festa italiana do município catarinense de Nova Trento – deste ano, recebi o livro “Devote della Vergine: histórias de mulheres em Nova Trento”, da jornalista Elis Facchini. Adaptação de um trabalho de conclusão de curso na UNIVALI e publicado em 2017, esse livro-reportagem reflete sobre as memórias de mulheres da terceira idade acerca da educação que elas receberam quando eram crianças e jovens. Assim, distingue-se por trabalhar depoimentos orais femininos, um contraponto à documentação escrita – geralmente produzida por homens.

 

      As mulheres entrevistadas por Elis residem em Nova Trento, município colonizado por imigrantes italianos, sendo a grande maioria originária da Região do Trentino. Esses imigrantes transplantaram e adaptaram uma intensa cultura católica “tradicional”, que foi enquadrada pelos padres jesuítas que lhes davam assistência religiosa e dirigiam a paróquia local. Não sem razão, nesse clima de fervor religioso, no final do século XIX, a imigrante Amábile Lúcia Visintainer liderou a criação de um núcleo de devotas que prestavam ajuda a enfermos, que atraiu muitas jovens de Nova Trento. Esse grupo de mulheres caridosas se transformou na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, que atravessou fronteiras municipais e estabeleceu sua sede no poderoso estado de São Paulo. No início do século XXI, sua fundadora, Madre Paulina, foi canonizada pela Igreja Católica, sendo homenageada com um moderno santuário onde surgiu a congregação que ela dirigiu.

 

      As jovens de Nova Trento que não seguiam Madre Paulina eram pressionadas pelos padres jesuítas, mas também pelas famílias e comunidades, a ingressarem na associação Filhas de Maria. As memórias das mulheres entrevistadas por Elis, particularmente da sua avó Maris Stella Cadorin Dalri, revelam uma certa mágoa em relação às normas extremamente rígidas dessa associação católica. Sua nonna, conhecida por Dona Stela, resume bem as normas rígidas das Filhas de Maria, afirmando: “Todas que participavam não podiam andar de bicicleta porque aparecia o joelho, não podiam encrespar o cabelo, o vestido era sempre comprido, meia canela, a manga da blusa sempre comprida e não podia dançar” (p.57). A interdição à prática da dança certamente era a mais sentida porque dificultava a sociabilidade festiva e reduzia oportunidades de namorar.

 

      No entanto, houve resistência ativa entre as Filhas de Maria porque algumas ousaram cortar o cabelo, ir a baile, falar palavrões e até engravidar antes do casamento, pagando com a expulsão da associação – fato socialmente muito constrangedor. Elis conta a história curiosa de Dona Carmela, que, quando criança, vendeu os seus cabelos por decisão do seu pai que tinha o intuito de ganhar dinheiro extra. Dona Carmela diz que “no primeiro domingo depois eu fui na igreja de cabelo curto. As freiras me pegaram pelo braço e me expulsaram da Congregação [das Filhas de Maria]” (p.97). O cabelo comprido tinha a função de esconder o pescoço e a nuca, evitando erotização do corpo.

 

      Ao se tornar “mocinha”, as jovens eram estimuladas a ingressar nas Filhas de Maria, mas antes eram instadas a pertencer à Cruzada Eucarística, associação formada por meninos e meninas. De outro lado, até a nacionalização autoritária da ditadura getulista, as crianças neotrentinas frequentavam as escolas paroquiais, dirigidas por leigos católicos ou freiras. Em Nova Trento, a Igreja Católica dava uma “educação total” às mulheres por meio de suas diversas associações, que era respaldada pelas famílias, que eram marcadas por intensa vivência religiosa. Essa educação católica feminina era universal, mas se estabeleceu sobretudo em áreas de colonização europeia plasmadas pela pequena propriedade policultora e nucleadas em torno de capelas e igrejas.

 

       Enfim, além de revelar traços singulares da formação social de Nova Trento, o instigante livro “Devote della vergine” procura compreender a educação de mulheres católicas até a rebelde década de 1960, momento em que inicia uma grande transformação nos costumes, que também impactou a Igreja Católica com o Concílio Vaticano II. Trata-se de uma educação feminina pautada pelo catolicismo “tradicional”, que contrasta do mote atual “meu corpo, minhas regras”. Por meio de um texto jornalístico fluente, Elis nos ajuda a compreender o presente por meio do relato de um passado muito diferente...

 
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