Escrito por Norberto Dallabrida
Nos primeiros meses deste ano, ocorreu uma assimetria nas rememorações de aniversários redondos de fatos históricos marcantes, sem considerar o bicentenário da independência política do Brasil. Houve uma enxurrada de materiais como artigos, livros e documentários sobre o centenário da Semana de Arte Moderna com o frenesi de problematizá-la como o divortium aquarum da arte brasileira. De outra parte, a mídia e o mundo universitário quase não pautaram os 90 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, um grande marco histórico na educação brasileira. Vale a pena trazê-lo à baila devido aos fundamentos que ele estabeleceu ao nosso sistema de ensino.
A publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação , assinado por 26 intelectuais – entre os quais Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Cecília Meireles –, ocorreu em 19 de março de 1932. Redigido por Fernando de Azevedo, esse documento foi sobretudo um norte para a política educacional, como argumenta Demerval Saviani. De forma enfática, o Manifesto de 1932 defendia a criação de um sistema nacional de ensino, a educação pública, gratuita, laica e coeducativa, a unificação da educação secundária e a formação em nível superior para os professores. Essa tomada de posição no campo educacional foi questionada especialmente pela Igreja Católica, sob a liderança intelectualizada de Alceu de Amoroso Lima, provocando debates nos anos 1930 que se desdobraram nas décadas seguintes.
No seu nonagésimo aniversário, é importante refletir sobre esse documento fundador da política educacional brasileira. Em primeiro lugar, devemos pensar que a criação efetiva de um sistema nacional e orgânico de ensino, defendida pelo Manifesto de 1932, concretizou-se, efetivamente, somente em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A educação pública, gratuita e coeducativa avançou na Constituição de 1934, mas teve certo retrocesso durante a era Capanema, avançando, de modo expressivo, a partir dos anos 1960.
No entanto, a educação laica não se materializou porque o ensino religioso – reintroduzido nas escolas públicas brasileiras em 1931, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas e sob a batuta do ministro Francisco Campos – ainda está em vigor. Ao invés de suprimir o ensino religioso nas escolas públicas, o que é imprescindível num Estado laico, os poderes federais, estaduais e municipais reinventam conteúdos religiosos nos currículos escolares. E a BNCC manteve a herança getulista de entranhar o ensino religioso no currículo das escolas públicas.
Neste momento de afirmação das escolas cívico-militares, de interferências de bispos no MEC e de fragilidade dos rumos da escolarização no Brasil, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova é ainda mais consequente pela sua defesa da educação pública, civil, gratuita, laica e de qualidade.