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Centro de Educação a Distância

Jornal da Educação

Histórias da Educação (Edição Janeiro/2022)

O diálogo filosófico de Paulo Freire

Escrito por 1. Celso Kraemer e 2. Luis Carlos Rodrigues

     O ano de 2021 marca o centenário do nascimento de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, educador e pensador, reconhecido não só no Brasil, mas em nível mundial. No Brasil, estes cem anos são comemorados em meio a uma acirrada disputa ideológica que o coloca como uma das figuras centrais desta agitação política. É bem verdade que o pensamento educacional de Freire nunca teve uma situação tranquila, nem em vida, nem depois de sua morte. Quando vivo, o pensador foi preso, torturado e exilado pala ditadura militar brasileira, iniciada em 1964. Mas perseguição a Freire se estende até nossos dias, em que setores da sociedade brasileira, bem como o próprio governo do Brasil, imprimiram esforços para expurgá-lo da educação no país.

 

     O resultado desta empreitada contra Paulo Freire fez com que ele passasse a ser muito mais lido, citado, debatido do que antes, ou seja, as críticas fizeram com que ele se tornasse mais vivo do que nunca, alusão ao livro de Kohan, Paulo Freire mais do que nunca: Uma biografia filosófica (2019), um caminho filosófico de compreensão do educador brasileiro. O viés filosófico de leitura de Freire abre outras visões de seu trabalho.

 

     Muitos escritos e eventos sobre educação fazem referência aos cem anos da trajetória de sua vida e obra de Paulo Freire. Nada mais justo do que referenciar e, até mesmo reverenciar o seu trabalho, que continua sendo muito pertinente na atualidade brasileira. No entanto, poucas abarcam a dimensão filosófica presente em sua obra.

 

     Em Pedagogia do Oprimido (1968), o terceiro livro mais citado no mundo na área de ciências humanas, Paulo Freire assinala as condições para a superação do que chamou de educação opressora. Para ele, a existência da opressão implica numa relação dialética entre o opressor e o oprimido. Seu pensamento sobre superação da opressão radica-se em Karl Marx (1818-1883) e suas críticas à sociedade burguesa. Esta é caracterizada por Marx como dividida entre os donos dos meios de produção e a classe trabalhadora, que apenas serve ao capital. Mas reduzir a filosofia de Paulo Freire ao marxismo encobre uma gama de outras perspectivas filosóficas presentes em seu pensamento.

 

     Mesmo partindo da dialética entre opressor e oprimido, Paulo Freire afirma seu pensamento noutra dialética, não a do conflito, mas a do diálogo. E a noção de diálogo em Freire requer que se esteja atento a outras filosofias em seu pensamento. Em Pedagogia do Oprimido, a proposição de uma existência humana (ontologia) em torno do diálogo afigura-se o principal fio condutor. Trata-se de um diálogo conectado com o mundo, que se estabelece pela problematização da realidade (epistemologia) durante o processo educativo, entramado na relação crítica com os outros (ética) e com o mundo. O diálogo para Paulo Freire não é um falatório, mas exige engajamento na ação para modificar as circunstâncias do mundo em que se vive.

 

      Paulo Freire defende o diálogo entre educador e educando, contra uma educação bancária, reduzida a transmissão do saber de maneira unilateral, desconectada da realidade. “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros”. (FREIRE, 2005, p. 81). Para ele, a falta de diálogo é que oprime os homens e as mulheres na educação, que os objetifica, tornando-os quase coisa. A comunicação dialógica para freire é a força motriz da transformação dos seres humanos, que antecede a transformação social. O pensamento de Paulo Freire envolve filósofos como Karl Jaspers, Martn Heidegger, Emmanuel Mounier, uma visão libertadora do cristianismo. Estas relações já são mais estudadas. Mas ainda se deve considerar estudos que explorem a relação de Freire com filósofos como Henri Bergson, em Pedagogia do Oprimido e Michel Foucault, em Pedagogia da Autonomia.

 

     A polêmica sobre Paulo Freire, com os extremismos acentuados que suscita, impossibilita o aspecto central de sua filosofia, que é o diálogo, em que os interlocutores manifestem sua curiosidade epistemológica na palavra autêntica dos demais (FREIRE, 2005). Paradoxalmente, as razões que colocam em jogo as ideias de Paulo Freire hoje, muitas vezes, encobrem aspectos importantes daquilo que ele defendia.

 

Referências

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ª edição.

KOHAN, Walter. Paulo Freire Mais do Que Nunca. Uma biografia filosófica. Belo Horizonte: Vestígio, 2019.

 

1. Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da FURB.

2. Doutorando do PPGE da FURB.

 
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