Os debates sobre a educabilidade das pessoas com deficiência advêm do século XVIII, para as pessoas com deficiência sensorial (surdos e cegos), e do século XIX para as pessoas com deficiência intelectual, porém, sempre por meio de iniciativas isoladas. Apenas a partir do século XX, a possibilidade do desenvolvimento e aprendizagem dessas pessoas ganha o interesse da sociedade.
Todavia, devido à forte influência da medicina e seu enfoque terapêutico sobre a educação das pessoas com deficiência, a escola já recebia os alunos estigmatizados pelas suas limitações, sendo-lhes impossibilitada a busca pelo desenvolvimento dos seus potenciais por intermédio de atividades que os privilegiassem. Constituía-se, então, uma situação de seleção “quase natural”, na qual ficavam separados os alunos que poderiam e os que não poderiam participar do ensino regular, ficando como única opção para os alunos com deficiência as instituições de educação especial.
Com o advento do modelo educacional da integração adotado no século XX, surgiu outra opção, as classes especiais. Esse modelo defendia o direito dos alunos com deficiência a participarem da rede regular de ensino, sendo que deveriam se “esforçar” para adaptar-se ao ambiente escolar. Porém, na maioria das vezes ficavam separados dos demais, estudando nas chamadas classes especiais. Essas classes eram multisseriadas e recebiam alunos de todas as idades e com diferentes deficiências, o que impossibilitava o cumprimento do currículo seguido pelas outras turmas e acabava gerando segregação e exclusão.
A partir dos anos de 1990, movimentos são criados defendendo um novo paradigma educacional, nesse, as escolas e todo o sistema de educação deveriam se preparar para receber os alunos com deficiência, aprimorando suas potencialidades e respeitando suas limitações. É o modelo inclusivo, no qual todos os alunos, sem distinções, têm o direito a uma educação de qualidade que lhes propicie um desenvolvimento em todos os aspectos: cognitivo, psicológico, social, dentre outros. Esse modelo educacional é considerado mundialmente como o que mais trouxe e continua trazendo ganhos na trajetória individual e coletiva dos envolvidos, apesar das dificuldades apresentadas para sua manutenção.
Na contramão do que foi descrito acima, temos o Decreto n.º 10.502, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial, a qual permite o retorno de alunos com deficiência às escolas e classes especializadas. Essa nova política vai contra a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com deficiência, que traz em um de seus artigos que os governos de todo o mundo devem assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis ao longo da vida do estudante. Desta mesma forma, o direito à educação inclusiva é expresso no texto da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), estabelecendo que cabe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o aprimoramento dos sistemas educacionais, a fim de garantir o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem, com acessibilidade e sem barreiras. Como justificar o retrocesso que buscam impor ao sistema de educação brasileiro e a todos os que dele participam?
Desde os anos de 1990, o Brasil tornou-se um dos signatários da Declaração de Salamanca, resolução das Nações Unidas que trata dos direitos à escolarização das pessoas com deficiência. Após este fato, leis como a LDB de 1996, que foi reformulada em 2017, e a LBI de 2015, garantiram ao Brasil uma excelente política de educação especial, ainda que faltando recursos para praticá-la de modo integral. Importante ressaltar que esse novo decreto do governo Jair Bolsonaro pode desviar ainda mais o investimento que deveria ser voltado para a educação inclusiva, por intermédio de repasses a fundações não governamentais e escolas particulares de educação especial, além de retroceder para o período no qual existia uma ideia que já era considerada ultrapassada por meio da Constituição de 1988, voltando a tratar a questão da deficiência como um problema individual e não mais social.
Ao invés de retrocessos, o que a educação brasileira necessita são investimentos sérios, que visem tornar os espaços escolares mais acessíveis, eliminando as barreiras tecnológicas, estruturais, pedagógicas, linguísticas, sociais, dentre outras. Deste modo, possibilitando um processo de ensino e aprendizagem de qualidade para todos, sem exceções ou restrições.
Doutoranda em educação pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Educação Especial e Inclusiva e em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Professora no Atendimento Educacional Especializado da rede pública municipal de Aracaju e estadual de Sergipe.