Nos últimos anos, na edição de outubro do JE, tenho escrito sobre a trajetória de um/a docente devido ao dia do professor – comemorado em 15/10.
Apesar da pandemia que ainda nos assola e oferece possibilidades de refletir sobre o trabalho docente no ensino remoto e a delicada volta às aulas presenciais, vou manter a tradição porque neste ano um professor notável faz 100 anos de nascimento. Trata-se de Florestan Fernandes, professor de Sociologia da USP e autor de obras seminais sobre a desigualdade social no Brasil.
Como historiador da educação escolar, constato a participação ativa de Florestan na Campanha em Defesa da Escola Pública, que ocorreu nos anos que antecederam a definição da LDB de 1961.
O campo educacional dividia-se entre os que lutavam pela escola pública, em que Florestan foi o combatente mais empenhado, e os defensores da escola privada, liderados por Carlos Lacerda. Como estratégia da Campanha em Defesa da Escola Pública, foi publicado, em 1º de julho de 1959, o Manifesto dos Educadores Mais uma Vez Convocados. Segundo Demerval Saviani, o esforço de Florestan levou a discussão da LDB ao povo e ao sindicato dos operários mas se frustrou com o formato da LDB de 1961.
O envolvimento político e a produção acadêmica de Florestan sobre o campo escolar foram estudados por Débora Massa na sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.
Esse trabalho acadêmico de fôlego foi transformado no livro “A produção sociológica de Florestan Fernandes e a problemática educacional: uma leitura (1941-1964)”, de 2004, que tem os selos da Cabral Editora e Livraria Universitária. É preciso lembrar que a reflexão de Florestan continuou após o golpe de 1964, particularmente por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, quando ele foi um dos principais responsáveis pelo capítulo sobre a educação.
De outro lado, a trajetória social de Florestan é muito instigante porque ele era filho de uma doméstica e pai desconhecido que abandonou o curso primário no terceiro ano e tornou-se professor de Sociologia da USP. Depois de trabalhar como engraxate, auxiliar de alfaiate e garçom, voltou a estudar e ingressou na universidade onde seria professor e pesquisador consagrado. Trata-se de um caso miraculoso que conseguiu romper a sua condição de classe social, que o também sociólogo Pierre Bourdieu chama de “trânsfuga”.
A trajetória desse trânsfuga é contada, de forma brilhante, no documentário “Florestan Fernandes, o mestre”, de Roberto Stefanelli, que pode ser acessado em: https://youtu.be/ncGSS2yyhNw
Neste momento difícil e incerto vivido pelo Brasil e, particularmente, pelo seu sistema escolar, a vida e a obra de Florestan Fernandes é um facho de luz que pode nos ajudar a recobrar a luta por uma sociedade cidadã e plural, bem como pela escola pública, gratuita e de qualidade.