Escrito por Norberto Dallabrida
Em Paris está sendo realizado o colóquio “Crise na/da educação”, sob a coordenação de Laurent Gutierrez – professor de Ciências da Educação na Université Paris Nanterre. O título deste evento procura distinguir sutilmente a crise no chão da escola, constatada especialmente por alunos e professores, da crise atribuída à escola por especialistas, geralmente desvinculados do sistema escolar.
Este evento aborda a crise educacional nas instituições sociais, com destaque para a família, mas focaliza, prioritariamente, a crise da escolarização primária e secundária na França. No entanto, o que chama a atenção neste colóquio é o destaque dado aos professores com duas seções sob os títulos “crise da formação docente” e “a identidade docente e retratos de uma profissão em crise”.
Esta crítica ao sistema escolar é parte integrante de um clima de crise da sociedade francesa e europeia, cuja ponta do iceberg é o movimento Gilets Jaunes (Coletes Amarelos) que, nos últimos meses, vem agitando a França.
Em relação ao sistema de ensino francês chamou-me a atenção as palestras intituladas “a lenta dessacralização da ordem escolar” e “as educações à...: o saber escolar em perigo?”. A primeira fala lembrou que a terceira república francesa (final do século XIX) criou uma escola pública de referência estribada na autoridade docente e na meritocracia discente.
Esta estrutura escolar de longa duração passou a ser questionada no mínimo a partir da década de 1960 com as obras de Bourdieu-Passeron – Os herdeiros e A reprodução. A erosão da autoridade docente foi questionada no maio de 1968, mas vem se desdobrando também com a perda de crédito da instituição escolar e do prestígio do professor.
A segunda palestra colocou o foco na tensão que existe hoje no currículo francês entre o saber escolar estruturado em disciplinas e, digamos, os temas transversais como o desenvolvimento sustentável – muito importante na França e na Europa –, educação sexual, saúde pública, questão de gênero, assédio, etc. Enquanto as disciplinas têm tradições e rigor metodológico seculares, os temas transversais estão ligados à questão atuais da cidadania.
O perigo constatado deve-se ao fato de que em nome do respeito às diferenças culturais, o saber científico seja sacrificado, sendo citado o exemplo da explicação evolucionista que se choca com visões religiosas – cristãs, muçulmana, judaica.
Os temas do colóquio “crise na/da educação” brotam das inquietações da sociedade francesa, mas também tem uma dimensão europeia e global. E podem ajudar a repensar o sistema de ensino no Brasil, cuja escola pública precisa de laicidade e qualidade.