Escrito por Norberto Dallabrida
Neste ano de 2017, o mundo ocidental está celebrando, especialmente por meio de publicações, congressos e documentários, o quinto centenário do ato rebelde de Martinho Lutero de afixar as 95 teses teológicas na Igreja do Castelo de Wittenberg, contestando a teologia católica.
Esse fato desencadeou a criação da Igreja Luterana e, posteriormente, de outras religiões protestantes como o calvinismo e o anglicanismo. Por defender que as Escrituras tinham mais autoridade do que a tradição da Igreja Católica (Sola Scriptura), Martinho Lutero passou a defender a leitura do texto bíblico pelos fiéis – feita anteriormente somente pela mediação do clero.
A necessidade de conhecer a Bíblia implicou no aprendizado de leitura – não necessariamente de escrita –, o que provocou uma grande onda de alfabetização nos países protestantes, localizados sobretudo no norte da Europa. Em 1524, Lutero, escreve o livreto intitulado
“Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha, para que se Criem e Mantenham Escolas”), cujos remetentes eram os prefeitos e vereadores da época, solicitando investimento na alfabetização dos luteranos. Seis anos depois, escreve o texto “Sermão para que se Mandem os Filhos à Escola” com o propósito de reforçar a importância cabal da escola para a sua nova igreja cristã.
Após a sua independência política, o Brasil começou a receber as primeiras levas de imigrantes europeus não portugueses com o intuito, entre outros, de povoar áreas escassamente povoadas – particularmente a região sul.
Nessas colônias de povoamento, marcadas geralmente pela pequena propriedade policultora e pela mão-de-obra familiar, as igrejas – católica e protestantes – tornaram-se propriedade das comunidades e os verdadeiros centros de sociabilidade.
E, devido ao descaso dos poderes públicos, percebe-se que um intenso investimento escolar das igrejas cristãs, de sorte que o binômio igreja-escola, que havia emergido no espaço europeus desde das reformas religiosas do século XVI, foi transplantado e adaptado no território brasileiro.
Em Santa Catarina, devido à intensa presença de imigrantes alemães, foi criada uma robusta rede de escolas luteranas. Na sua tese de doutorado sob o título
“A escola teuto-brasileira e o processo de modernização em Santa Catarina: a ação da Igreja Luterana através das escolas (1871-1938)”, defendida na Universidade de São Paulo, o professor João Klug distingue três tipos de escolas nas áreas de colonização luterana.
Em primeiro lugar, as escolas urbanas, localizadas nas sedes de municípios como Blumenau, Joinville e Florianópolis, que tinham excelente estrutura e geralmente eram regidas por um professor vindo da Alemanha; em segundo lugar, as chamadas “escolas coloniais”, localizadas nas sedes das colônias; e, por fim, as “escolas de picada” (Pikadenschulle), localizadas nos interiores e com estrutura precária e professores sem formação pedagógica.
As escolas luteranas, que alfabetizaram gerações de filhos de imigrantes, foram desmontadas pela ditadura getulista.
As comemorações dos 500 anos do ato fundador da Igreja Luterana, fazem-nos lembrar que a escolarização ocidental teve como parteiras as reformas religiosas do século XVI.
A “maquinaria escolar” de base confessional foi, em boa medida, nacionalizada e laicizada, a partir do final do século XVIII, pela escola pública.