Por Norberto Dallabrida e Gladys Mary Ghizoni Teive
Estimulado pelos resultados do IDH das cidades brasileiras, o jornal Folha de S. Paulo publicou, no último dia 04 de agosto, o caderno "Quem educa os educadores"? – questão formulada por Karl Marx no século XIX –, com o intuito de refletir sobre a profissão docente na educação básica. Essa iniciativa é oportuna porque, atualmente, a formação inicial dos professores está no centro da pauta educacional.
Na sua análise sobre a formação docente, o caderno da Folha focaliza duas questões de fundo: uma ordem sociológica na medida em que diagnostica que a maioria dos professores brasileiros é constituída por mulheres e oriunda de "famílias de baixa e média renda"; a outra, de ordem curricular, constata que as licenciaturas têm excesso de teoria e pouca prática.
Neste texto, nos propomos a analisar esses dois nós na licenciatura em Pedagogia – curso superior que forma professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil.
No Brasil, desde a massificação da escolarização colocada em marcha na década de 1960, o docente dos primeiros anos de escolarização vem passando por um processo de proletarização – e de perda de reconhecimento social. Não por acaso, com raras exceções, as turmas de licenciatura em Pedagogia são formadas por alunos oriundos das classes populares e das classes médias. Por isso, geralmente os alunos de Pedagogia têm um mediano capital cultural – no sentido bourdieusiano -, que a passagem pelo ensino superior geralmente altera pouco, o que tem um impacto marcante na atuação profissional.
Como quebrar esse círculo vicioso? A resposta foi dada, de forma consistente, por Ernesto Martins Faria no encarte "Quem educa os educadores?", sintetizada no título do seu texto, que diz: "atratividade da carreira docente é questão-chave".
A carreira de professor dos anos iniciais deve ser econômica e profissionalmente atraente, como nos indicam os ótimos exemplos da Finlândia e da Coreia do Sul.
O docente deve ser bem renumerado, ter condições dignas de trabalho e ser avaliado com regularidade. Trata-se de uma política de Estado – e não um ponto da plataforma de partidos políticos.
Missões sociais
De outra parte, o caderno segmentado da Folha martela que os currículos de licenciatura em Pedagogia têm pouca prática, materializada sobretudo na redução do estágio, e muita teoria. Essa avaliação não é precisa: há muitas horas destinadas ao estágio e, nas chamadas "práticas pedagógicas", tal como prescrevem as Diretrizes Curriculares Nacionais – as DCNs - para o Curso de Pedagogia, não há abundância de teoria. Os articulistas da Folha talvez quisessem se referir ao excesso de conhecimentos contextuais.
Nesta direção, valemo-nos do conceito de "escola transbordante", cunhado pelo historiador António Nóvoa na obra "O regresso dos professores" com o objetivo de diagnosticar que a escola tem muitas de "missões sociais" e deixa de fazer o que lhe é central.
Ou seja, no século XX, a escolarização foi agregando novos conteúdos culturais, como por exemplo o ensino religioso e a educação para o trânsito, em detrimento das "aprendizagens escolares" legitimadas como básicas.
O transbordamento escolar nas licenciaturas em Pedagogia pode ser verificado no excesso de "disciplinas-saber" de corte contextual em seu currículo, como os estudos históricos, sociológicos, antropológicos, filosóficos, biológicos. E, mesmo no interior desses fundamentos da educação – definitivamente necessários à formação docente! – há enfoques transbordantes.
Por outro lado, a formação específica, sobretudo aquela relacionada à alfabetização, na língua portuguesa e na matemática, bem como as didáticas especiais, às vezes pouco teorizadas, caem na vulgarização da prática voluntarista.
O curso superior de Pedagogia precisa tonificar e aprofundar a teoria pedagógica, estudando e problematizando, por exemplo, as tradições do movimento da Escola Nova, que, regra geral, domina os discursos pedagógicos e as práticas escolares.
Como o médico, o professor deve ser formado com intenso estudo e ancorado em conhecimento científico e com "residência pedagógica", bem como ser bem remunerado independentemente da faixa etária que atende.
1 - Professor da UDESC e co-autor de "A Escola da República: os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina (1911-1918), Editora Mercado de Letras, 2011. E-mail: Ver email
2 - Gladys Mary Ghizoni Teive - Professora da UDESC. Autora de "Política de modernização econômica e formação de professores em Santa Catarina"; "Uma vez normalista, sempre normalista" e "A Escola da República – os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina (1911-1918)", em parceira com Norberto Dallabrida.