No mundo ocidental, desde o final do século XIX, o ensino primário passou por um processo de feminização. Na Espanha, a presença expressiva de mulheres em escolas de ensino primário, como professoras e diretoras, deu-se mais tarde, na Segunda República (1931-1939) – momento histórico em que o gênero feminino foi socialmente valorizado, ganhando o direito ao voto.
O documentário Las maestras de la República, dirigido pela cineastra Pilar Pérez Solano e lançado no último mês de abril em Madrid, revisita a atuação das professoras primárias durante o regime republicano espanhol dos anos de 1930. Baseado em livro homônimo, esse documentário se propõe a reler a vida de mulheres modernas e cultas, que renovaram as práticas educativas pautadas nos princípios da escola pública e laica e do movimento escolanovista. Trata-se de mais uma ação com o intuito de rememorar histórias de vidas de professoras de vanguarda, que foram silenciadas pela ditadura franquista.
Um excelente exemplo dessa geração de professoras republicanas espanholas é Justa Freire, biografada no livro “Justa Freire o la pasión de educar”, de María de Mar del Pozo Andrés, publicado recentemente. Depois de formar-se na Escola Normal de Zamora, em 1914, Justa Freire passou a atuar como professora primária no Grupo Escolar “Cervantes” de Madrid, que colocava em prática procedimentos pedagógicos inovadores sob a batuta do célebre professor Ángel Llorca.
Na Segunda República foi nomeada diretora do Grupo Escolar “Alfredo Calderón”, cargo inovador para a Espanha da época, especialmente pelo fato de dirigir professores-homens.
Com a vitória do franquismo, esta geração de mestres e mestras republicanos foi afastada de seus postos de trabalho para serem investigados, especialmente no plano ideológico e religioso, sofrendo violência na forma de exílio, prisão ou morte.
Justa Freire foi presa e, quando foi posta em liberdade, tornou-se professora do Colégio Britânico – uma instituição escolar de elites.
De acordo com Sara Ramos Zamora, professora da Universidad Complutense de Madrid, que analisou os processos de professores após a Guerra Civil Espanhola, as mestras foram perseguidas tanto por serem docentes pedagogicamente renovadoras, como pela sua condição de mulheres modernas e ousadas.
As memórias das histórias de vida de professoras republicanas fazem-nos refletir sobre a truculência das ditaduras dos anos novecentos e, sobremaneira, colocar a lupa sobre a experiência escolar de vanguarda colocada em marcha na Segunda República na Espanha, contribuindo para construir a escola pública e renovadora do século XXI.