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Jornal da Educação

Histórias da Educação (Edição Julho/2014)

O futebol nasceu na escola

Escrito por Norberto Dallabrida e Gladys Mary Ghizoni Teive

     Em tempos de Copa do Mundo é oportuno discutir acerca do surgimento do futebol, o esporte moderno mais globalizado e produtor de identidades locais e nacionais que apaixona e arrasta multidões. Sabia o leitor que o futebol foi uma invenção da escola? Costuma-se dizer que a escola reproduz, através de seus currículos, a cultura produzida e ou legitimada pela sociedade, todavia, para alguns pedagogos e historiadores da educação escolar, além de reproduzir a cultura da sociedade, ela também produz uma cultura singular – a cultura escolar – que às vezes se espraia na sociedade.

 

    O futebol é um exemplo emblemático de uma prática produzida na e pela escola e não de uma prática social que foi escolarizada, como a grande maioria dos dispositivos escolares. Trata-se uma invenção escolar, ocorrida na década de 1840, nas chamadas public schools – colégios ingleses frequentados pelos filhos homens da aristocracia e alta burguesia. Foi uma alternativa pensada pelos seus dirigentes para responder às constantes rebeliões estudantis contra as autoridades escolares para às quais fazia-se necessário, algumas vezes, a intervenção do Exército. Fazia parte, desse modo, das reformas que visavam o controle do corpo discente e o estabelecimento da civilização – no sentido dado pelo sociólogo Norberto Elias.

 

     Assim, não por acaso, a primeira public school pacificada foi a da cidade de Rugby, sob a liderança de Thomas Arnold, onde foram consensuadas novas relações de autoridade e, em 1845, foram elaboradas as primeiras leis escritas de futebol, sendo sancionadas no ano seguinte por uma assembleia de toda a escola. Neste processo civilizatório, Eric Dunning observa que, para os alunos do sexto ano da public school de Rugby, que elaboraram as primeiras regras do futebol, era imprescindível garantir o controle da violência física por meio da proibição de pontapés no adversário e do veto do uso das navies – botas com canto metálico, algumas vezes pontiagudos, que era usadas na prática de jogos na public schools. O futebol implicou, necessariamente, a instituição de regras claras e da intervenção de um árbitro para evitar a violência física.

 

    Para compreender ainda melhor essa inovação esportiva, é importante sublinhar a diferença marcante entre as modalidades de jogos existentes até meados do oitocentos e o futebol. Assim, procurando desnaturalizar o "desporto bretão", na obra "Veneno remédio: o Brasil e o futebol", José Miguel Wisnik faz considerações sobre o soule, praticado na França desde meados da Idade Média, cujas modalidades análogas eram realizadas nas ilhas britânicas como o foeth-ball e o knappan. Trata-se de uma festa popular marcada por uma "espécie de vale-tudo da pelota", sem mediação de um juiz, em que participavam grupos grandes de pessoas como comunidades contíguas e paróquias, que lutavam entre si em espaço e tempo não definidos e sem limites para contusões, ferimentos e até mortes. O futebol moderno, portanto, diferenciava-se substancialmente dos jogos de bola pré-modernos.

 

     A partir da clave sociológica, Pierre Bourdieu reflete sobre a emergência do esporte moderno como um campo diferenciado dos jogos das sociedades pré-capitalistas. Menciona o nascimento do esporte, como o futebol e o rúgbi, nas public schools das elites inglesas como atividades desinteressadas e marcadas pelo faire play próprio do habitus aristocrático, que tinha um escopo moral. De outra parte, o sociólogo coloca o foco sobre "a fase de popularização" dos esportes, ou seja, a passagem do esporte de corte elitista e amador para um espetáculo de massas produzido por profissionais.

 

    Como esporte moderno, o futebol disseminou-se para diferentes classes sociais e, atualmente, para todos os países do mundo, ganhando usos específicos e singulares, mas sempre com o intuito de construir disputas mediadas por regras e por um árbitro. A parteira desse processo foi a instituição escolar, que legou para a sociedade uma forma civilizada e apaixonada de jogar e de viver.

 

*Professores da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e autores de "A Escola da República" (Editora Mercado de Letras, 2011).

 
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