No próximo mês, no Centro de Ciências da Educação da UDESC, será ministrado, por Julia Varela e Fernando Alvarez-Uría, o curso “Modelo Genealógico de Análise”, que se fundamenta em trabalhos acadêmicos de Norberto Elias, Michel Foucault e Robert Castel.
Varela e Alvarez-Uría elaboraram uma perspectiva genealógica para compreender a emergência histórica de várias práticas culturais. Na paradigmática obra Arqueología de la escuela (La Piqueta, 1991), esses sociólogos espanhóis propõem a desnaturalização da escola, acreditando que a sua universalidade e eternidade não passam de uma ilusão, e pretendem reler o passado para ajudar a compreender o presente, “rastrear continuidades obscuras” e, sobretudo, constatar que os modos de educação escolar são plasmados por múltiplas e sutis relações de poder e configurações de saber. Neste trabalho genealógico, há uma preocupação sociológica em vincular os discursos e as instituições educativas aos grupos sociais que os propõem e impõem para se legitimarem socialmente.
A instituição escolar moderna foi inventada no século XVI pelos reformadores protestantes e católicos, motivados pelo desejo de manufaturar a alma de seus fiéis. Em torno desse “acontecimento” e de seus desdobramentos, giram os três primeiros ensaios deste livro, que procuram vincar a descontinuidade provocada sobremaneira pela fragmentação do cristianismo europeu e mundial. Varela e Alvarez-Uría analisam com acuidade a emergência das peças da maquinaria escolar espanhola e europeia, que contribuiu para construir a primeira modernidade ocidental.
Na verdade, eles defendem que a escola obrigatória, instituída na Europa entre o final do século XIX e o início do século seguinte, teve por finalidade educar, moralizar, adestrar as classes populares para o trabalho manual. Para tanto, vai até o século das reformas religiosas e das guerras de religião para constatar que os dispositivos escolares criados naquela conjunção – a criação do estatuto da infância, a instituição do espaço escolar fechado, a formação de um corpo de especialistas, a individualização dos colegiais que desqualificou formas medievais de socialização – foram esmerilhados e secularizados pelos sistemas estatais de ensino.
Enfim, Arqueología de la escuela desnaturaliza a escola no Ocidente, situando o seu nascimento no bojo das reformas religiosas e a sua ressignificação pelos sistemas estatais de ensino. Por isso, vale a pena (re)ler essa instigante obra histórico-sociológica.
* Professores da UDESC e autores de “A Escola da República: os grupos escolares e a modernização do ena sino primário em Santa Catarina (1911-1919) (Editora Mercado de Letras, 2011)