Escrito por Norberto Dallabrida
A proposta do MEC sobre a reestruturação do currículo do ensino médio, anunciada no mês passado, faz-nos pensar sobre a legitimidade das “disciplinas-saber”.
Ao longo do tempo, alguns saberes foram suprimidos do currículo escolar, enquanto outros passaram a integrá-lo. E mesmo cada “disciplina-saber” apresenta mudanças ao longo da sua história, bem como diferenças significativas entre o prescrito nas normas e o efetivado na prática.
Nesta direção, podemos nos perguntar acerca da introdução e da permanência da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas brasileiras. Por que esse questionamento? Pelo fato de o Estado brasileiro ser laico desde o início do período republicano. Ou seja, a partir de 1890, no Brasil, o Estado mantém-se separado da Igreja Católica – religião oficial durante o período imperial.
No entanto, após a Revolução de 1930, como parte integrante da aliança entre o Governo Vargas e a hierarquia católica e sob a liderança de Francisco Campos, o Ensino Religioso foi reintroduzido nas escolas públicas brasileiras (1931), sendo mantido até os dias de hoje.
A Constituição Federal de 1988, ainda em vigor no Brasil, reza que o Ensino Religioso é disciplina que integra os horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo de matrícula facultativa.
Os últimos governos de centro-esquerda não enfrentaram essa questão espinhosa que arranha a laicidade do Estado brasileiro. O Governo FCH, que anunciou sua intenção de suprimir a herança varguista, não se posicionou em relação ao Ensino Religioso e, em 1996, entraram em vigor os “Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso”, como parte integrante do projeto dos PCNs.
Apesar das diferenças midiáticas entre PT e PSDB, em relação ao Ensino Religioso nas escolas públicas, o Governo Lula é parecido com a gestão FHC.
Rigorosamente, devido à laicidade do Estado brasileiro, a disciplina Ensino Religioso deveria ser suprimida do currículo das escolas públicas. Isto não significa privar os estudantes do ensino das religiões, que tiveram uma importância significativa na constituição das civilizações e na história da sociedade brasileira. Os conteúdos religiosos poderiam integrar, efetivamente, todas as outras disciplinas escolares, especialmente História e Geografia.
Nos últimos anos, a questão da laicidade do Estado brasileiro começa a ser discutida de forma rigorosa e plural, em boa medida inspirada na experiência da laicidade do Estado francês.
No Brasil, em relação a esse debate, o OLÉ – Observatório da Laicidade do Estado, coordenado pelo professor Luiz Antônio Cunha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (www.nepp-dh.ufrj.br/ole), vem se configurando como uma das experiências mais consistentes e cosmopolitas.
Neste momento em que se questiona a legitimidade dos saberes escolares e se discute o transbordamento das funções da escola, é oportuno e salutar problematizar a presença do Ensino Religioso nas escolas públicas.