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Centro de Educação a Distância

Jornal da Educação

Entrevista - Jornal da Educação (Abril/2008)

A incapacidade de desistir do feminino é a salvação da educação

      O corpo docente é composto 93% de mulheres, mas o masculino ainda domina, inclusive na sintaxe da língua.


 

     Indaial - No dia 12 de fevereiro o professor e escritor Mario Sérgio Cortella proferiu a palestra de abertura do ano letivo para todos os professores da rede municipal de ensino de Indaial.

 

      O palestrante defendeu que na educação o feminino, entendido como o cuidado, a capacidade de esperança e a incapacidade de desistir, são fundamentais na educação. Após a palestra, Cortella concedeu entrevista exclusiva ao Jornal da Educação, reforçando que tudo na educação é cuidado. Nesta edição, publicamos a primeira parte da entrevista.

 

     Na próxima, complementaremos a reportagem com informações sobre a necessidade de se manter a autoridade do professor e o abuso de poder dos pais ao tentarem interferir no fazer pedagógico.

 

     O feminino é essencial 

 

     A idéia do feminino na educação,  como sendo uma atitude ética, isto é o feminino como a incapacidade de desistir do cuidado, como uma atenção extrema à vitalidade. O feminino mais como a deusa Maia, que dá nome ao mês de maio e é a deusa do parto e da fertilidade, tanto que parto em grego é maiêutica; do que o deus Marte, porque Marte, que dá nome ao mês de março, é o deus da guerra,  da destruição e do vencer". 

 

     A educação é cuidado: é cuidar da formação cidadã, da formação científica, da cidadania, da solidariedade, no fundo tudo resume a cuidar da vida. O feminino tem uma força de atitude em relação a isso. E como eu disse na palestra, o feminino não é uma exclusividade das mulheres. As mulheres tem o feminino mais adensado.

 

     “A educação é cuidado: é cuidar da formação cidadã, da formação científica, da cidadania, da solidariedade, no fundo tudo se resume a cuidar da vida.”

 

     Amor não é suficiente

 

     É condição necessária, mas não é suficiente. É preciso uma amorosidade que seja competência: do ponto de vista técnico, do ponto de vista do conhecimento, de planejamento, porque quem ama estuda, quem ama não desiste, quem ama se prepara, quem ama se torna mais competente.

 

     Amorosidade sem competência é mera boa intenção e não é suficiente, se a gente quer algo que avance para além do óbvio é preciso uma amorosidade que desenvolva a competência.

 

     E essa competência se desenvolve com formação continuada, com disponibilidade para o aprendizado contínuo, com humildade pedagógica para explorar aquilo que não se conhece. E nessa hora, mulheres, por conta do feminino, são mais capazes, para o conhecimento coletivo. Tanto que o homem se perde na estrada, mas não pergunta. A  mulher, a primeira coisa que faz é  partilhar o conhecimento. Ela liga para alguém, pára e pede informação, vai atrás. Nós homens não, primeiro a gente quebra a cara, depois a agente vê.

 

     Embora 93% do corpo docente brasileiro, seja de mulheres, temos o sindicato DOS professores, é a sala DOS professores, dia DO professor. O masculino predomina porque temos uma visão machista, inclusive da cultura letrada.

 

     A arrogância é uma característica masculina

 

     A arrogância é uma característica do dominador e como nós  estamos numa sociedade patriarcal, ainda machista, é claro que a arrogância é mais a soberba masculina, daquele que tem o controle no social, na família e inclusive o controle dentro da sintaxe da gramática.

 

     Embora 93% do corpo docente seja de mulheres, temos o sindicato DOS professores, é a sala DOS professores, dia DO professor. O masculino predomina porque é uma visão machista, inclusive da cultura letrada. Se você observar, o próprio idioma vai caracterizando todo o tempo como masculino. Se você for trabalhar por maioria quantitativa e não política, como no caso das mulheres, elas são a maioria quantitativa, mas não a maioria política. Assim como afro-descendentes, são minoria política. No Brasil é uma questão cultural e tem a ver com história. Não é em todos os países que a docência é uma profissão feminina.   Em alguns países do leste europeu a docência é uma profissão masculina e as mulheres não entram no circuito.

 

     Profissões femininas

 

     No Brasil, na história brasileira como só teve um sistema formal de educação pública, de fato, a partir de 1930. Neste período, entre 1889 e 1930, até se tinha a possibilidade de organizar, mas o governo autorizava que as professores, em casa, tivessem classes, não se tinha escola, mas poderia se mandar o filho estudar nas classes na cassa da professora.

 

     E a lógica de se fazer a classe nas casas é que as mulheres não saíam de casa, e mulher de rua é diferente de mulher de casa. O idioma trabalha isso muito bem.

 

     Então, você tem uma série de profissões no Brasil, as do cuidado, são consideradas profissões  femininas: psicologia, fonoaudiologia, enfermagem, nutrição, tanto que você conhece alguma mulher que seja psiquiatra? Embora seja uma área da medicina, não se encontra, isso é raríssimo, assim como você nunca viu santo de óculos, mulher psiquiatra, é raríssimo.

 

     Os professores são loucos

 

     É a Sã Loucura: A educação brasileira se divide em dois blocos: os que acham que o Dia do Professor é 2 de novembro (Finados) e os que dizem que é primeiro de novembro(Todos os Santos). 

 

     Parece insano. Paulo Freire chamava de San Loucura, parece insano, ele dizia  que existe uma loucura que é sadia, é a loucura daquele ou daquele que enfrenta aquilo que tem que ser enfrentado, mesmo que se indique o contrário. Em outras palavras, é melhor você ficar quieto no seu canto, e aí ele ou ela não acredita. E tem algumas pessoas que acham que não, você tem que construir a solidariedade, a fraternidade,  a liberdade, a dignidade e isso é coisa de louco. Porque, uma pessoa sadia, uma pessoa normótica, não tem nenhum problema, ela segue com o gado, com o rebanho. Enquanto um louco sai fora do rebanho.

 

     No entanto, existe  uma loucura do delírio e outra que é sadia, é aquela que vai na contra-mão do óbvio, mas a favor de um  ideal eticamente saudável, defensável e necessário. Por isso ele chamava de sã loucura. Então dei vários exemplos de homens e mulheres que só um louco faria aquilo: imaginar que fosse possível terminar a segregação racial na África (é secular o sistema), imaginar que se tivesse uma delegacia da mulher, que fosse possível colocar todas as crianças de 7 a 14 anos na escola; só um louco imaginaria isso. Bom, existe alguns loucos que acreditam que é possível fazê-lo e vão atrás e fazem. Por isso que o exemplo clássico é Dom Quixote, a diferença é que ele combatia moinhos de ventos e nós combatemos  coisas que são um pouco mais concretas.

 

     Luta de classes

 

     Embora, vez ou outra a gente entra na fase do delírio. Quando você está, por exemplo, com síndrome persecutória. Quando acha que as coisas não estão dando certo porque as pessoas estão boicotando o tempo todo. Pensam que as coisas não têm eficácia porque os outros bloqueiam, quando, na verdade, é a pessoa que está com um erro diverso ou de cálculo.

 

     Trata-se portanto, de um problema de auto-avaliação. É sempre mais fácil atribuição da responsabilidade do erro àquele que está fora de mim, depois tem uma marca preventiva nisso.

 

     Ou, em algumas situações de gestão na escola em que as pessoas se combatem o tempo todo, umas às outras, em vez de enfrentar o problema sério que é a qualidade de ensino, a força necessária para a edificação de cidadania.
E aí tem gente que fica internamente num combate, esquecendo inclusive uma coisa que Karl Marx disse: luta de classes que move a história, é entre classes diferentes. Luta de classes, dentro de uma mesma classe, só promove mágoa e ressentimento. Alguns têm o prazer imenso de ficar combatendo internamente.

 

     Síndrome de gestores

 

     Os gestores da educação devem sempre lembrar que não é porque está sendo perseguido que vai se tornar um novo Galileu. Mas como Galileu, você tinha que estar certo. E o Ferreira Gullar diz algo que todo secretário também deve lembrar, no poema escrito para Ernesto Guevara: Ernesto, Ernesto não basta estar certo para vencer a batalha, Ernesto, Ernesto, não basta estar com a razão para não morrer de bala.

 

     Então, pior do que um líder enlouquecido, é um líder que acha que é o salvador, isto é, que se veste com a postura messiânica, portanto, lidera como se fosse o Messias. Aquele que toma uma postura pouco democrática; como a do Antônio Conselheiro, que é louco mesmo. Ele era monarquista numa sociedade que se encaminhava para a república. É aquele que se encarna como sendo a voz única e exclusiva e não tem discussão: quem não está comigo, está contra mim, disse Jesus e George  Bush (e então invadiu o Iraque...)", sentenciou o escritor.

 

Os pais mandam porque a escola é deles

 

Nas escolas em que não há gestão democrática, os diretores são indicados por políticos e os pais "mandam na escola", há muitos problemas com a noção de limites da autoridade dos pais sobre o cotidiano escolar.

 

Cortela esclarece que os pais mandam na escola, porque a escola é uma propriedade deles. Entretanto, a intervenção dos pais no fazer pedagógico, na avaliação do professor, naquilo que é o campo da autoridade do poder docente, é uma intromissão, um é desvio de mando.

 

     O escritor enfatizou que há uma distinção entre autonomia e soberania. A autoridade docente pressupõe a autonomia, mas não pressupõe a soberania. Um conselho de pais é autônomo, mas não é soberano. Uma Secretaria tem autonomia, mas não é soberana.

 

     Autonomia é fazer o que eu quero no âmbito da minha decisão. Soberania é fazer o que eu quero.

 

      Neste ponto de vista, um pai que agir querendo impor nota, modos de ensinar e conteúdos, está fazendo uma interferência indevida na autonomia do trabalho docente. Portanto, é um exercício exorbitante do poder. Ninguém é contra a autoridade docente, somos é contra o autoritarismo. A autoridade docente é necessária!

 

      Por exemplo, eu professor Cortella, não abro mão da minha autoridade docente. Mas qual é a minha autoridade? É organizar o programa, a estrutura de trabalho da minha sala de aula. Mas ao mesmo tempo, a minha autoridade não é invulnerável ao diálogo, ao debate, à reformulação. No entanto, tem um nível que é da minha autoridade, porque a responsabilidade não é delegável.

 

    Quando alguém delega, distribui tarefas, não pode delegar a responsabilidade. Eu posso pedir para você fazer alguma coisa no meu lugar, mas se você fizer errado, a responsabilidade é minha. A responsabilidade é indelegável.

 

      Deste ponto de vista, numa escola em que há um conselho de pais, onde os pais têm autoridade, há uma delegação para que os pais façam a gestão da escola, mas essa delegação não entra no território da soberania. Ela tem que respeitar os vários âmbitos de ação.

 

      Quando o pai vai e diz, o meu filho tirou oito, eu não quero, isso é uma disfunção. É um abuso do poder. Isso não é o exercício da democracia. A democracia não é ausência de regras, é a construção coletiva de regras.

 

       Os gregos usavam suas expressões que nos ajudam a pensar. Uma delas é isonomia. Isto é, todos temos o direito de decidir. E outra é isegoria, isto, decidido o que tem que ser decidido, faz quem sabe.

 

       Muita gente fica só na isonomia. Isonomia é todos temos o direito de decidir o que vai ser feito, mas na hora de fazer, faz quem tem competência. Isso é isegoria. Muita gente quer tornar a isonomia, algo presente na operação do cotidiano, não dá.

 

       Os países socialistas da África fizeram isso. Quando romperam com o país colonizador português, cometeram esse equívoco, eles expulsaram o colonizador, e ficaram sem gente nenhuma, para movimentar a hidrelétrica, o hospital, o serviço de esgoto. Porque não adianta você fazer uma assembléia para decidir se uma doença é por vírus ou bactéria.

 

Faz quem tem competência

 

      A escola junta decide que isto vai ser feito, mas na hora de fazer, será feito por quem tem a competência técnica para fazer. A isonomia é política, a isegoria é técnica. Por isso que a isegoria se submete à isonomia. Senão não há democracia. A ditadura, é a ditadura do técnico. É diferente da democracia.

 

      A democracia escolar pressupõe que a decisão seja partilhada, mas a execução seja feita por quem o sabe. Por exemplo, eu Cortella não sei alfabetizar, não é porque o Conselho de Escola decide democraticamente que nós vamos fazer um rodízio, que agora eu vou fazer, não, antes terei que aprender. Eu não posso ser colocado a faze-lo, sem que eu desenvolva a competência.

 

       O mesmo vale para a gestão da área econômica, pode ter um secretário ou um ministro da saúde que não seja médico,como o Serra, um secretário da educação que não seja da rede, ou professor?

 

        Lógico, porque você vai estar respeitando a isonomia, mas na hora da execução, faz quem sabe. Porque o Secretário não vai atender o doente, ele vai atender a política, vai coordenar a equipe, dar a capacidade de junção das pessoas.

 

     Por isso que se pode ter uma pessoa não escolarmente legitimado como o Lula, na gestão de uma Nação, porque o que vale é a isonomia.

 

       A isegoria vem da inteligência dele de cercar-se de um professor de História, que é o Luiz Dúlcio, que é a cabeça mais inteligente ali do lado dele. Porque gente inteligente põe gente de história ao lado de si. Porque os historiadores sempre sabem que aquilo que é não era, e o que é não será. Portanto, vivem a noção de precariedade. Por isso não têm apego ao poder.

 

      Quando você, entre dez pessoas escolhe um para trabalhar com você, consegue nove inimigos e um ingrato. Então é melhor que esse seja alguém de história".

 
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