Escrito por Leandro Villela de Azevedo
Quando falei para meus conhecidos que escreveria esse artigo sobre ditadura e democracia, de certa forma, fui ridicularizado. Falaram que deveria escrever sobre curiosidades amenas ou sobre o amor. Ler sobre o amor agrada a todos, diziam eles. Foi por isso que prometi que escreveria sobre a beleza das flores amarelas de ipê sendo levadas pelo vento de outubro.
No Brasil existe a crença de que religião e política não se discute. Mas discute-se futebol, quem será eliminado do reallity show, qual marca comprar e que final deve ter o vilão da novela. Para muitos, parece que as transformações políticas ocorrem através de forças naturais e imutáveis.
Do mesmo modo como as estações do ano, que seguem seu curso natural: uma após a outra determinam o curso natural, fazem as árvores florirem, suas pétalas caírem pelo chão, agradando a alguns pelo espetáculo de beleza das flores e desagradando a outros pela sujeira. Se até o clima é transformado pelo ser humano, o que dizer da política, invenção dele próprio.
Ocorre que se analisássemos os governos, classificando-os sob uma linha imaginária, e colocássemos de um lado os mais ditatoriais, sem participação popular; e de outro os mais democráticos, onde tudo é decidido pelo povo; sem dúvida, durante a maior parte de nossa história; e, portanto durante a formação de nossa mentalidade individual ou coletiva, estamos muito mais acostumados a ser governados por ditaduras e monarquias absolutistas.
Então parece natural que sejamos tratados como pétalas que podem ser levadas e guiadas pelo vento e descartadas naturalmente, jogadas ao chão é à própria sorte.
Praticamente todos os países da América lutaram por suas independências. Muitos, governados por metrópoles europeias, viveram regimes absolutistas, viveram em guerras constantes pelo poder. Os colonos viam-se usurpados de suas riquezas pelos impostos e leis consideradas intoleráveis. E, por fim, pegaram em armas para garantir a criação de uma nova nação. A origem destes países, de alguma forma, se deu com a participação popular e relembram isso em festivais cívicos.
Nesta categoria encontra-se desde as 13 colônias inglesas que se uniram para a guerra de independência e formaram os Estados Unidos da América, como o Haiti, formado praticamente pela população que lutava para libertar-se da escravidão e formava um país negro de língua francesa em plena América. Estes, estavam no eixo buscando a posição mais democrática existente na época.
Alguns outros, como o que antes era chamado de vice reino da Prata, vice reino de Nova Granada (hoje Argentina, Chila, Colômbia, Venezuela, Bolívia, entre outros) tiveram uma escolha um pouco diferente. Elites de filhos de europeus (apelidados de Criollos), que dominavam os escravos ou servos indígenas, resolveram criar uma independência parcial, eles lutaram, mas minimizando a participação indígena, pois queriam criar países que fossem independentes, mas mantivessem a escravidão, esses estariam no eixo intermediário, mais democráticos do que as monarquias absolutistas, mas sem permitir a participação popular.
Entretanto, o Brasil é o máximo do extremo oposto. Na Europa, os servos também se revoltaram contra as monarquias absolutistas, e após a revolução francesa uniram-se sob o comando de Napoleão Bonaparte, Cônsul da República Francesa, Napoleão derrubou diversos reis e libertou milhões de servos.
A ideia de democracia espalhou nestes países um fenômeno chamado de primavera dos povos. E, mesmo que muitos tenham sido derrotados e novas monarquias estabelecidas, elas nunca mais foram as mesmas. E novas ondas revolucionárias vieram em formas de luta pela democracia.
Entretanto, o Brasil de certa forma, foi um ponto estranho a toda história. Enquanto as independências surgiram na América, os processos brasileiros pela democracia, foram derrotados (o mais famoso deles, a inconfidência mineira). Quando as lutas pelo fim da monarquia irrompeu na Europa, o rei de Portugal, líder máximo da Monarquia Absolutista Portuguesa, fugiu com sua família para o Brasil.
Assim, em 1808, o Brasil já não era mais colônia, surgia o Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves, com capital no Rio de Janeiro. Napoleão foi derrotado, mas não o rompante de luta pelo fim da monarquia absolutista em Portugal.
A revolução do Porto, ocorrida em Portugal em 1821, conseguiu assumir o controle daquele país, querendo fazer um acordo com o rei para que ele se tornasse rei sem poderes, uma monarquia parlamentar um pouco mais democrática do que antes.
Entretanto D. João VI, que nem queria perder o seu poder sobre Portugal e nem sobre as antigas colônias, teve um plano perfeito: deixa seu filho D. Pedro I governando o Brasil e vai para assumir Portugal e tentar reaver o poder monárquico lá.
A nossa chamada independência, se deu praticamente sem qualquer envolvimento popular e sem guerra. D. Pedro I, para tentar parecer moderno e um pouco mais democrático, até pediu para seus nobres fazerem uma constituição para o Brasil. Ela não foi aceita pelo rei. Em 1824, o Brasil tinha a sua primeira constituição simplesmente imposta pelo novo rei.
O povo português continuava lutando pelo fim da monarquia absolutista, ao ponto de que com a mote de D. João VI e de seu irmão, o próprio D. Pedro I abandona o Brasil para ir lutar pelo poder de sua família em Portugal. Deixando o Brasil governado pelo seu filho, com então apenas cinco anos, D.PedroII, que governa a única monarquia da américa por meio século.
O governo dele é terminado por uma proclamação de república, que teve como um dos principais motivadores, o fato dos barões do café se aliarem ao exército contra a monarquia. Mas engana-se quem achar que ela tinha qualquer sinal de levar o Brasil para uma linha um pouco menos ditatorial.
O que motivou os barões a derrubarem o governo, foi a lei da abolição da escravatura, que diminuiria os lucros dos ricos cafeicultores paulistas. O exército assume o poder na figura de Marechal Floriano Peixoto e Marechal Deodoro da Fonseca, nenhum deles eleito. Todos governantes ditatoriais que inclusive fecharam a câmara legislativa, governaram com poderes de ditadores.
Em 1898, começa a república oligárquica também chamada de república do Café com Leite. Os cafeicultores não queriam dividir o seu poder com o exército. Queriam queriam criar uma república que aos olhos do povo parece democrática, mas que só eles tivessem o poder. Para isso, precisavam de apoio do povo, para vencer o exército que até então governava o País.
Essa nova república foi criada com perfeição de modelo falsamente democrático. Embora tivesse partidos, eleições, e tudo mais que parecesse democrático, apenas os homens alfabetizados poderiam votar (menos de 0,9% da população). O voto era aberto e contado por juízes (e era comum o chamado voto do porrete ou do cabresto, onde a pessoa apanhava se votasse errado e a fraude era muito comum).
Por último, a lei “da degola” onde qualquer pessoa, mesmo que eleita, só assumiria o novo cargo se não tivesse cometido quaisquer erros ou crimes, sejam legais, sejam morais. Caso contrário, assumiria quem ficou em segundo lugar nas eleições (qualquer semelhança com a lei da ficha limpa atual não é mera coincidência). O grande problema desta lei é que quem julgava se a pessoa era digna ou não do cargo era o antigo ocupante do cargo, logo um presidente poderia impedir que o seu adversário assumisse o poder.
Essa república falsamente democrática durou até 1930, quando Getúlio Vargas subiu ao poder sem ter sido eleito.
Getúlio, por mais que seja amado por muitos brasileiros e criador de diversas leis como a CLT, aposentadoria, e a criação do voto universal feminino, governou de forma ditatorial. Sem eleições presidenciais e em especial após declarar Estado de Sítio em 1937, alegando um pretenso golpe “judeu-comunista” (o chamado Plano Cohen), se deu poderes de rei.
Governou até 1945, quando o fim da 2ª Guerra Mundial, faz o seu “estado de sítio” finalizar. Somente então tivemos a primeira eleição presidencial realmente democrática... mas era apenas um pequeno passo na linha do eixo democracia x ditadura.
Antes de sair do poder, Getúlio criou dois partidos: PTB e PSD. Além disso, durante o seu governo, havia colocado na ilegalidade muitos dos outros partidos existentes, como o PC do B. Assim, na primeira eleição democrática do Brasil, quem foi eleito foi o General Dutra, líder militar do governo de Getúlio. E na eleição seguinte, Getúlio é novamente eleito, candidatando-se pelo partido que ele mesmo criou.
A eleição seguinte levou Juscelino Kubitschek à presidência. Além de ter sido eleito democraticamente, JK tem entre os seus principais feitos, a criação de Brasília. Seu governo contribuiu para a criação de uma nova elite no Brasil, com a entrada de grandes montadoras internacionais. Em um período de plena guerra fria, o Brasil recomeçou, a passos largos, a fazer grandes dívidas internacionais.
A nova capital tinha como justificativa evitar uma invasão militar em uma nova guerra mundial (o que não parece ser condizente com tantas capitais litorâneas como Lisboa e Londres) e levar o progresso para o interior do Brasil (o que convenhamos não ocorreu de forma tão eficiente como deveria).
Muitos historiadores acreditam que Juscelino teve uma terceira intenção com a criação de Brasília, afastar o centro administrativo do país do principal inimigo que o governo temia, não da invasão externa, mas invasões populares querendo a democracia. Assim, Brasília ficou há pelo menos um dia de viagem de qualquer grande centro urbano do Brasil na época.
O fim do governo de JK já foi conturbado. Jânio Quadros não conseguiu governar nem um ano. O seu vice, considerado mais de esquerda, foi impedido de assumir. Criou-se um parlamentarismo, que só durou tempo suficiente para que o mandato dele (João Goullart) praticamente acabasse. E, em poucos meses, o Brasil viu-se em um golpe militar, criando uma ditadura que durou oficialmente até 1984. E que, só teve o seu primeiro presidente eleito pós ditadura em 1989.
Durante o governo militar, aulas que pudessem ensinar pensamentos democráticos foram praticamente extintas, professores, intelectuais e artistas pró-democracia foram presos, exilados e mortos. O povo precisava pensar de forma ditatorial. Precisava acreditar na ideia de que o governo era algo naturalmente apartado dele. As pessoas precisavam se sentir meras pétalas presas em uma árvores e que em nada poderiam decidir sobre si próprias e muito menos sobre o tronco que as unia, a Nação brasileira e o governo.
A nova democracia!!???
E aqui estamos nós, na nossa nova retomada de democracia após nova constituição de 1988. Neste período, tivemos sete eleições presidenciais. Nunca uma eleição no Brasil seguiu exatamente as mesmas regras da outra.
O período de mandato presidencial foi mudado de 5 para 4 anos. Criou-se a lei da reeleição. Criou-se a lei da ficha limpa (muito semelhante à lei da degola, só que hoje quem escolhe se o candidato pode ou não assumir o poder é o TSE. Vale salientar que que o TSE é composto por membros do STJ e do STF, que por sua vez, são escolhidos pelo presidente da república ... será que é tão diferente assim?).
Dos presidentes eleitos, um sofreu impeachment (mas já se tornou um dos líderes do poder legislativo).Um foi protagonista da criação da lei da reeleição (pela qual ele próprio se reelegeu). E outra, após eleita, vem sofrendo grandes pressões da mesma mídia que apoiou a eleição dos outros aqui citados, para que sofra impeachment (e o processo já teve início).
As grandes empresas acusadas de participar dos grandes escândalos de corrupção, são oficialmente financiadoras dos três grandes candidatos que tivemos nas últimas eleições. (Por que motivo uma empresa financia TRÊS candidatos ao mesmo tempo? Não é por motivos ideológicos. Não é por querer que a ideia de um vença sobre a o outro. Muito provavelmente é porque já há acordos para a continuidade de esquema criado em governos muito antigos.
Se estudarmos a história de forma um pouco mais aprofundada, é essa mesma classe social, a que pertence os empresários, nos remete aos barões do café. Era ela que estava por trás de cada uma das retomadas de poder ao longo da história de nosso país.
Para manter seu poder territorial, trouxeram a monarquia para o Brasil. Para manter seu poder econômico, derrubaram a monarquia no Brasil e criaram duas repúblicas não democráticas. E a cada novo passo de nossa história, lutam ferozmente pelo poder.
Em um país onde mais da metade do tempo a população foi proibida de discordar do poder e nas escolas é imperativo que não se ensine política, onde professores e estudantes são perseguidos em suas manifestações. No único país em desenvolvimento onde o salário de um professor equipara-se mais ao de um lixeiro, (e não de outras profissões de ensino superior), em um país onde a mídia basicamente dita o que as pessoas deveriam pensar, parece que a nossa luta pela independência e pela democracia ainda está só começando.
Quem sustenta as grandes emissoras de televisão? Qualquer pessoa que pense um pouco, sabe que 99% da renda das emissoras provém dos grandes anunciantes. Que são as grandes empresas (e do governo). Será que a mídia que é sustentada pelas grandes empresas, será independente e imparcial?
Por que motivo, cada vez mais estamos vendo conflitos entre professores e policiais? Cada vez mais, as leis que permitem o professor ser preso pelo seu posicionamento político em sala de aula (a lei chama-se escola sem partido, mas no texto da lei, diz claramente que o professor pode ser preso por ter um posicionamento ideológico passado aos alunos, e não partidário).
Mas vejam, a primavera chegou, milhares de pétalas cobrem as nossas ruas, a primavera chegou com enchentes fortes no sul e calor anormal no sudeste, será que a primavera dos povos um dia chegará no Brasil?
E o que mais dói de tudo isso .... ver que tantos, que tudo isso vêem gritam: Vejam, já vivemos uma ditadura, vamos criar, derrubar o governo! Intervenção militar já para acabar com a ditadura ....
Penso que séculos de falta de ensino político e histórico no Brasil criou as frases mais sem sentido já proferidas .... ditadura já, para acabar com a ditadura ....
Melhor falar de flores amarelas.
Profº Leandro Villela de Azevedo é Mestre e Doutor em História Social, com Graduação em História (Todos USP) e disponibilidade para atuar no Ensino Superior ministrando as disciplinas: História da Cultura e da Arte, História Antiga e Medieval, História das Religiões, História do Teatro, Literatura, Filosofia, Ética, Didática e Prática do Ensino de História.