Escrito por Leandro Villela de Azevedo
Lecionando no ensino fundamental 2 há 15 anos, sempre me deparo com a decepção de minhas pequenas alunas. Ao entrarem em contato com a separação entre homens e mulheres no código de Hamurabi, as diferenças entre homens e mulheres na sociedade egípcia ou as restrições políticas às mulheres em Atenas ou em Roma, não podem deixar de exclamar ódio ao “machismo” dos antigos.
Entretanto, o que tenho percebido com o passar dos anos é que, por mais que realmente o feminismo tal como o conheçamos seja algo do século XIX em diante, há uma diversidade ampla de mulheres fortes e importantes em praticamente todas as épocas históricas e povos, e que muitas vezes os livros didáticos simplesmente deixam de lado a sua importância. Talvez, além das leis de inclusão racial, devíamos pensar em leis de inclusão de gênero no que diz respeito aos livros e aos planejamentos de aula.
Ficou fora dos livros didáticos, por exemplo, Wu Zetian, e talvez fora até mesmo dos documentários e livros em português no geral. Wu Zetian viveu no século VII na China, tendo conseguido se tornar imperatriz em meio a uma sociedade completamente patriarcal, onde os imperadores chegaram a possuir milhares de esposas e concubinas. Através de estratégias geniais, consegue destacar-se como esposa do imperador Gaozong, afastá-lo das suas mais “próximas” esposas e aconselhá-lo em diversas situações ligadas ao governo, demonstrando sua sabedoria.
Com a doença do imperador em 660, este permite que ela governe como uma espécie de primeira ministra, criando as leis que são apenas assinadas pelo imperador enfermo.
Tamanha sua eficiência, o imperador, mesmo recuperado, permite que ela continue compartilhando o poder com ele por mais 23 anos. Após a morte do imperador, o filho dele assume, mas novamente Wu Zetian governava por trás dele. Entretanto, com o assassinato do recém-empossado imperador, Wu Zetian consegue convencer os grandes funcionários imperiais a passar o poder a ela, conseguindo declarar oficialmente a si própria como imperatriz.
A China nessa época era oficialmente confucionista, e os sacerdotes confucionistas se opuseram à ideia de uma imperatriz mulher. Wu Zetian alia-se, então, com os budistas, religião minoritária na China, mas crescente, conseguindo o poder necessário para que seu poder se consolidasse. Durante seu governo ela basicamente reduz pela metade os gastos militares chineses, mas conseguindo pela diplomacia manter a paz. O dinheiro gerado por essa economia, incentiva o comércio e estabelece relações comerciais com os povos do oriente através da rota da seda, sem a qual seria impensável todo o comércio de especiarias nos anos posteriores e as navegações que permitem a descoberta do Brasil.
Catarina
Catarina, A Grande, imperatriz da Rússia, é outra que praticamente é esquecida pelos livros. Por importantes articulações políticas de sua mãe Sofia, outra notável mulher russa, Catarina consegue o seu casamento com Pedro III, que posteriormente se tornaria czar da Rússia (imperador).
Entretanto, Catarina nunca aceita se submeter ao seu marido, sempre tramando situações para que ela passasse a ter o poder para si. Pedro III, amante das guerras e da liderança presente nos campos de batalha, por vezes se ausentava por meses de Moscou. Durante sua ausência, Catarina aumentava o círculo de pessoas fiéis a ela e não ao marido. Enquanto ele gastava a maior parte das economias da Rússia com guerras que não traziam vantagens ao império, Catarina tentava incentivar escolas de arte e universidades, modernizando seu povo. Enfim, quando Pedro se ausenta em uma dessas campanhas militares ele é assassinado pelo amante de Catarina, Gregório Orlov. Embora não seja possível provar, é possível que ela tenha encomendado a morte do próprio marido para assumir o trono.
Com a volta de Orlov, este reinvidica o casamento com Catarina (o que tradicionalmente passaria o poder a ele ao ser coroado como czar), mas ela se nega e assume o trono inteiramente para si. O irmão do Pedro III, Ivan, ainda consegue apoio de uma parcela da sociedade russa, que não acreditava que uma mulher pudesse governar sozinha. Mas Catarina consegue comprovar que o irmão não teria condições mentais de governar e o coloca em um asilo. Apesar da crueldade de Catarina para assumir o poder em suas mãos, ela basicamente moderniza a Rússia em uma velocidade nunca antes vista por esse reino, além de assegurar o controle da Rússia sobre a Criméia (dando acesso ao mar para a Rússia, que somente então poderia abrir seu comércio com o ocidente).
Nandi
Muitas vezes, a renovação do nosso conhecimento sobre a história da África pode também trazer interessantes nomes femininos à tona. É o caso de Nandi, mãe de Shaka, líder dos Zulus. Nandi, do povo Mtetwa, provavelmente capturada pelos Nguni, mais importante clã dos Zulus, é pega para ser amante de Senzanganakhona, líder dos Nguni.
Ao saberem que ele havia engravidado uma mulher da tibo inimiga e não querendo que o filho dele pudesse ter poder, Nandi é expulsa grávida, novamente ao seu povo Mtetwa. Lá, é rejeitada pelo seu povo por saber que em sua barriga carregava o filho do chefe inimigo. Ao tentar mentir e dizer que era um verme e não um filho, ela utiliza-se da expressão Shaka (verme): quando a criança nasce, esse passa a ser seu nome.
Apesar do início da história nada propício, Nandi dá a volta por cima, quando os Mtetwa expulsa ela e seu filho do povo ela consegue sustentá-lo sozinha no rigor das florestas, ele começa a treinar e consegue entrar no exército. Shaka aproveita-se da situação da morte de seu pai para tentar assumir a liderança dos Zulus e, demonstrando propostas de grande avanço nas técnicas de guerra, acaba sendo reconhecido como líder guerreiro.
Ao mesmo tempo, que Shaka faz sua fama pelas guerras, ao unificar diversos povos africanos contra a dominação dos holandeses e ingleses na África do século XIX, Nandi é quem, de fato, governava o povo nos aspectos domésticos, enquanto o filho estava sempre ligado à guerra. A figura dela é tão importante que apesar de Shaka ter criado um verdadeiro império Zulu, após a marte de Nandi ele demonstra não conhecer praticamente nada da administração do império em si, criando leis absurdas como a proibição das famílias zulus engravidarem ou suas crianças seriam mortas. Demonstrando a inabilidade de governar sem a mãe ao seu lado, Shaka é morto e o império desaba.
Os exemplos não cessam rapidamente. Temos Hipácia, importante filósofa grega, esquecida entre os famosos homens da filosofia grega; temos Isabel de Castela, que desafiou o marido ao enviar uma expedição que garantiria futuramente o controle de quase toda a América pela Espanha; Soror Juana Ines de la Cruz, que se destaca com importância semelhante ao do padre Anchieta no Brasil; Elisabeth I, da Inglaterra, e a Rainha Vitória, entre tantas outras. Vivíamos em um mundo machista ou é um machismo atual não percebermos quantas importantes mulheres garantiram o avanço para o mundo que vivemos atualmente?